sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Morre o Impunível,surge o Inapedrejável. Ato 7.

Prólogo:  o suicídio do Impunível na prisão afogou Inapoderável no mar da tranquilidade, levado ao fundo pelo peso da certeza do futuro e sufocado ao não respirar o confronto de ideias. Não era ausência de força de vontade do Inapoderável de ressurgir fazendo o mar revolto novamente, mas apenas e tão somente a falta de poesia na conjuntura. Eis, após a atracagem da arca de Noé e a subida ao Monte Ararath, se anuncia o discurso do novo velho poderoso, o Inapedrejável, o dono de agora do Palácio do pai das águas:

 - Cidadãos da República não encontrada, tens fome, de justiça ? Tens sede, de punição ?  Eu os saciarei, arrebatei o braço político do sistema. Eu lhes dou a migalha do pão que não se come, eu lhes dou para beber o sangue do inimigo. Eu tenho a palavra da salvação: tudo se transforma. Que as cores do caos se transformem no branco da paz da minha camisa importada de algodão transgênico!  Que o silêncio dos meus inocentes se transformem no grunhido da nossa culpa de sempre ! Que o medo dos bons seja o medo de todos ! A mim, ninguém haverá de falar, transformá-los-ei no silêncio da delação não divulgada. A mim, ninguém haverá de controlar, transformá-los-ei em robôs movido a corda orçamentária. A mim, ninguém haverá de se opor, transformá-los-ei em nomeações no diário oficial. Tudo se transformará, tudo se transformará no esplendor do gênio do meu sermão !

Um repente da luz forte do Sol lhe atinge a fronte, força-lhe colocar a mão em riste como se conseguisse pausar o tempo, limpa o suor na testa e molha a boca com a língua sentindo o amargor das suas palavras, olha aos céus como se uma dúvida repentina passasse em sua consciência, retoma o discurso com um ardor ainda mais intenso:

- O Estado será o que deve ser: um parecer de honestidade com 70 milhões de motivos repassados ao que antes era chamado de imprensa e o hoje é o mercado da informação. Transforme-me-ei no Inapedrejável, o Bicudão da Balburdia do Grosso Mato !

De surpresa, Inapoderável surge de baixo como quem sobe a escada do próprio túmulo com a aquela sensação de que em todas as mortes de todas as guerras o que se tenta é manter viva um pouco da inocência da teimosia do homem acreditar no próprio homem. A vitória do embate anterior com o Impunível já não passava de um nada na memória. O futuro, eis sempre a razão do seu agir:

- Inapedrejável, fiel és tu do “nada se cria, tudo se transforma”. A ti mesmo posso ver, és como uma grande borboleta que metamorfoseou do dia para noite. Nunca teve sede, o que tens é a fome de sempre devorar dia após dia as entranhas do poder. Tal como um ególatra, foi uma lagarta faminta que devorou toda a flora até que passou a comer a si próprio pelo vício do querer muito mais. Não lhe faltou o Estado como o alimento, buscou devorar até o que se tinha dentro de si. Ao seu dever não lhe faltaram privilégios. A burocracia foi o seu casulo. Livre está, lembra-te, transformai-se em uma frágil borboleta e não em um Estadista. Não se deixe enganar. Por mais que falem que suas palavras são belas, suas atitudes são louváveis, o seu projeto político é como um voo de uma borboleta: muda de direção pela força do vento que sopram em suas asas.  Sem que perceba, agora, estar a voar sobre um deserto verde, sem predadores ou presas, em que a paz na verdade significa o medo da solidão. O seu descanso é nutrido com veneno. As suas ideias ficam frágeis, seus sonhos se tornam efemeridades. Não reconhece mais o valor da diferença. O peso da desigualdade ? A dor do racismo ? O medo do ódio ? Agora, ignora até mesmo os que serviram contigo,  os transformou em servos do retrocesso. 

Não mais, não mais imperará sob os auspícios da terra arrasada. É hoje, a hora é essa, o que se cria agora é a mudança que se projeta no amanhã. O Sol haverá novamente de brilhar para todos.

Epílogo: inicia-se um novo embate do Inapoderável. Agora, contra o Inapedrajável. No ar, pairava que o tempo continuaria sendo de chuvas, cada vez mais fortes e constantes. Era um tempo de reformas.

Bruno Boaventura – Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social pela UFMT.

Obs.: O ato 7 é precedido do ato 1 – O Impunível, do ato 2 – O Inapoderável e do ato 3 – O debate inicial entre o Impunível e o Inapoderável, e do ato 4 – O debate assemblear entre o Impunível e o Inapoderável. Ato 5 - A prisão de um Impunível e o removimento das massas. Ato 6 - A morte do Impunível. Todos disponíveis em: www.bboaventura.blogspot.com 

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