quinta-feira, 11 de abril de 2013

O impunível

Ato 1 – Entra no palco, um senhor de meia idade, segurando um copo de whisky, com um olhar guiado por pontos fixos e alterado por uma sobre-humana firmeza de sua segurança. Ao ver uma luz vindo de cima, para no centro, espanta-se com o público, e começa sinceramente falar:
 
O que vocês acreditam ser o Estado Moderno? A organização coletiva que torna possível a ordem e a felicidade da sociedade ? Então, não passam de tolos patéticos. Eu lhes respondo o que é o Estado, o Estado sou eu. Aquilo que é o meu interesse é o interesse do Estado. Não existe coletividade, pois eu decido sozinho o que é interesse público. A ordem das coisas é aquela que me beneficia. Não percebem? Não há controle que possa me impedir, à mim foi concedido e é assegurado o poder de corromper os interesses institucionais em interesses pessoais. A sociedade não passa de uma amorfa montoeira de gente, são felizes na mesma proporção que são idiotas. A verdadeira felicidade que o Estado proporciona é a saciedade da minha pajelança. A felicidade possibilitada pelo Estado nada mais é do que a minha coleção de fazendas.
 
O que vocês acreditam ser a Democracia ? O governo da maioria ? Eu lhes digo a Democracia sou eu. Eu mando acontecer o consenso, é simples: aproveito-me do vil caráter humano. Faço das fraquezas que mais se abomina as sutilezas que demonstram o preço de cada homem e mulher. A democracia é feita da liberdade política da manifestação ? Bobagem, eu submeto toda a imprensa a minha imagem. Nos meus afazeres diários, na minha pessoa, é sintetizado todo e qualquer debate político.
 
O que vocês acreditam ser o Direito? O governo das Leis ? Eu lhes digo: a Lei sou eu. Entendam de uma vez por todas que a Lei foi feita por mim, em nada me prejudicará. Bata em uma mulher e será preso, roube um pote de margarina e será preso, mate um cachorro e será preso, mas jamais prenderam o próprio poder! Vocês então se perguntariam: a Justiça ? A pacificação social ? É o medo da guerra que mantém a paz, ninguém quer guerra com o inimigo que possui mais armas. Então, eu lhes digo: eu sou o medo de agir das pessoas. Aos mais fracos, lhes dou a demonstração da força do meu poder, e logo se calam. Aos mais fortes, lhes dou as benesses da força do meu poder, e logo também se calam.
 
O que vocês acreditam ser a Moral ? A religiosidade do amor ao próximo ? Eu lhes digo, enquanto disser que confio em Deus, e ajudar os sacerdotes da Igreja serei um homem de bem e nada me faltará. Eu sou o lobo travestido de cordeiro que pode circular e comer a vontade a carne das ovelhas. Arrepender-me? Saiba que em meus macios travesseiros de pena de ganso, com fronhas de seda chinesa, sonho todos os dias o quanto sou abençoado por Jesus Cristo, Nosso Senhor.
 
O que vocês acreditam ser o capitalismo ? A possibilidade de todos progredirem na vida ? Eu lhes digo: o capital sou eu. Façam o que façam, esforcem o quanto for, nunca terão tanto dinheiro a disposição quanto eu tenho. Dinheiro sem sacrifício, sem trabalho, sem mérito, dinheiro público. Capitalizem-se o quanto querem, ergam empresas, impérios econômicos, mas nunca terão a disposição da facilidade de ganhar dinheiro tanto quanto eu.
Quem sou eu ?!
 
Tolos são aqueles que me fazem como uma anomalia capaz de usar das brechas do sistema para proveito próprio. Não sou apenas isso. Eu sou muito mais. Eu sou o Estado, a Democracia, a Lei, a Moral, e o Capital. Eu sou o sistema. Patéticos são aqueles que me fazem parecer punível. Não percebem que para me punir, terão que primeiro fazer com que o Estado puna o Estado, a Democracia puna a Democracia, a Lei puna a Lei, a Moral puna a Moral, e o Capital puna o Capital.
 
Promovam a justiça, procurem a justiça, desembarguem a justiça, ministrem a justiça, nada do que fizeres adiantará, pois eu lhes digo em alto e bom tom: eu sou impunível!
Já estou cansado que estou desta brincadeira de gato e rato. Transformar-me-ei em algo absoluto, com a aprovação da proposta de emenda constitucional número 37, eu serei inimputável !
 
Bruno J.R. Boaventura é advogado em Mato Grosso.
 
Obs.: a presente obra se trata de uma mera ficção, qualquer similaridade com a realidade trata-se de mera coincidência, principalmente tratando-se de Mato Grosso.

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