Prólogo: toda pessoa pode ser punida pelo isolamento ? Pela idealização em tornar a consciência do Tempo e do Espaço em carrasco da Lei que tortura a autocompreensão até o arrependimento ?
Os meses no cárcere fizeram com que o Impunível trocasse
a obsessão em capital por liberdade. Dia após dia, perda após perda, pouco a
pouco todas as esperanças cederam. Nas horas finais, era como se fosse o último
grão de areia de uma ampulheta no afunilamento ao vazio.
Do lado de fora da prisão, não era mais dia. No final do
horizonte, a noite ainda não se fazia por completo. Naquele momento, tudo era
incerto. A indefinição era a sua própria autoimagem e lhe incomodava ao ponto
de querer vê-la destruída. Aos gritos socou o espelho:
- Não sou eu mais aquele que noticiam como o Senhor das
Razões da Modernidade ? Tudo era mentira então, o sistema não me tornara tão
grande ao ponto de ser inimputável ? Como acreditei em tal loucura, em
pleno século XXI, me fazer Rei do Estado, do Mercado e da Sociedade ?
O Sol mais posto do que vivo, na luz dos últimos de seus
raios ultrapassou a grande nuvem da tempestade, venceu as grades da pequena
janela e atingiu um dos pedaços do espelho ainda pendurado na fria parede da
sela. Refletia a boca do Impunível quando assim disse:
- Aos que nutrem o sistema com suas veias, lhes agradeço
a oportunidade da glória. A vossa indiferença foi a minha fonte, em que a sua ignorância
foi o meu alimento e a ingenuidade a minha água. Tornei-me a monstruosa
engrenagem que movia a fábrica de favores. Controlei os controladores, o limite
era imensurável.
Visível era o sangue pingando do aperto da mão direita ferida, e a
esquerda segurando um pedaço de vidro o suficiente para lhe cortar a jugular, Impunível suplica
sentado na sua cama de pedra o que poderia ser a misericordiosa mensagem:
- Aos meus inimigos. Quase todos foram os que venci. De
tantos os me enfrentaram, somente fui derrotado pelos que fizeram a mudança ser
mais rápida dos queriam perpetuar a minha conservação. Aqueles que forçaram as
instituições, transformando-as em capazes de me combater, os que perceberam o
Estado como a imagem da Sociedade, a esses reconheço a minha derrota.
- Aos meus delatores. Saibam que a angústia de não
entender por qual motivo me traíram tomou
a minha consciência em ódio. Até aceitaria a traição se fizessem o meu
sofrimento em martírio. Não é irônico que quanto mais os delatores me culpam
mais se desresponsabilizam ? Quanto mais sabem no que me culpar mais não foram
responsáveis comigo em minha culpa? Eu não os perdoo! O meu suicídio é a morte da
chance de liberdade de vocês. Esse é o sabor da última de minhas vinganças: assim
como lambuzaram-se na nossa ganância sofram comigo no desespero da punição.
Epílogo: Aquele que por uma época foi o alcunhado de Impunível
teve o seu fim com um pedaço do espelho enfiado na garganta. Já na
aurora da noite, o piso em sangue com alguns cacos do espelho que refletiam o
teto da sela em que se lia as apalavras escritas com maior profundidade: “os aplausos ensurdecem a consciência”. Lá fora, a
tempestade havia começado, aos raios e trovões de todas as direções anunciavam
um novo debate.
Obs.: O ato 6 é precedido do ato 1 – O Impunível, do ato
2 – O Inapoderável e do ato 3 – O debate inicial entre o Impunível e o
Inapoderável, e do ato 4 – O debate assemblear entre o Impunível e o
Inapoderável. Ato 5 - A prisão de um Impunível e o removimento das massas. Todos disponíveis em: www.bboaventura.blogspot.com
Bruno Boaventura – Advogado. Especialista em Direito
Público. Mestre em Política Social pela UFMT.