sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A teoria da sistematicidade jurídica.

O sistema jurídico é na teoria axiológica da tridimensionalidade, composta por três subsistemas: o da norma, o de fatos e de valores, sendo a norma um fato valorado. Não são somente estes componentes a serem considerados no diagnóstico dimensional do sistema jurídico. Ainda temos a disposição da norma em um determinado tempo e espaço.
Os elementos considerados até então pela vertente axiológica do direito são eminentemente teóricos, não é só o fato valorado pela norma, não são só o tempo e o espaço auto-definidos, o que na prática se apresenta é o homem projetando um processo de organização, no qual ele mesmo participa como elemento. Uma das ações que o homem deve fazer no seu mister de elemento prático do sistema jurídico é trazer coerência àquilo que ele projetou e produziu, e a definição de critérios claros sobre a resolução das antinomias jurídicas é um dos caminhos para a simplificação do direito, como modo de facilitação ao acesso à justiça. Resolvendo as antinomias jurídicas aparentes, a multitude das normas jurídicas deixam se tornar desconexas para tendencialmente a unidade ser não só um conceito teórico, mas também prático. É o elemento humanidade que visualiza o processo, que impulsiona os demais elementos, forjada na hermenêutica, no duplo processo de interpretação do fato e da norma, como forma de transformação e não contemplação. Desfazendo assim um pouco o mito da linguagem legal como inacessível às pessoas comuns, esvaziando os tantos Hermes, Moises-Aarão, Maomé-Abdula que ainda tenham exclusivamente para si a tarefa transformadora da hermenêutica normativa como propulsora da evolução do sistema jurídico.
A antinomia jurídica é encarada na contemporaneidade como fenômeno inerente ao sistema jurídico, em razão do ordenamento jurídico ser elaborado por diversas pessoas, que atuam em espaços diversos, motivados por interesses também diversos, em tempos diferentes.
A antinomia jurídica não pode ser classificada como antinomia lógico-matemática como requer a o conceito de sistema jurídico atual, pois este tipo de antinomia restringe o produto, ou seja, o resultado invalida automaticamente a norma sobrepujada.
O sistema lógico matemático necessariamente deve existir sem a presença de contradições, pressupondo assim a total coerência. O conceito elementar é puramente lógico, sem influência valorativa como acontece no raciocínio jurídico. Os conceitos numéricos da norma matemática são invariáveis, são sempre exatos, depende desta unicidade perfeita a construção dos conceitos matemáticos em equações e teoremas. A norma mais básica e as subseqüentes criadas em sua referência ao longo do tempo e espaço sempre expressam o mesmo dado fático matemático, independentemente de quem a aplica.
O reconhecimento da possibilidade da existência de antinomia lógico matemática levaria a impossibilidade da suscetibilidade de comprovação prática dos resultados obtidos com as equações. Toda construção, a partir do momento da aceitação da antinomia, comprometeria a perfectabilidade como produto, levando o sistema à falácia.
A antinomia de normas jurídicas não se classifica como uma contradição lógica, pois a sua existência não implica em afirmar que uma norma necessariamente sempre será invalida e outra será sempre válida. O conflito normativo quando é solucionado, não há eliminação da norma, mas sim seguimento por um dos possíveis pressupostos, ou seja, por uma das normas. O pensamento kelsiano a rigor também não caracteriza as antinomias jurídicas como lógicas-matemáticas, reconhece que este conflito não pode ser comparado com uma contradição lógica, mas apenas duas forças atuantes em direção aposta ao mesmo ponto.
A antinomia jurídica seria uma manifestação de um conflito comunicacional, ou seja, um problema da construção de interpretações antagônicas de um mesmo dado lingüístico. A antinomia jurídica colocada no ângulo pragmático, pelo preenchimento do pressuposto que uma instrução que para ser obedecida, deve ser ao mesmo tempo ser desobedecida para ser obedecida, deixando o sujeito em indecibilidade.
As conseqüências da antinomia jurídica não são comunicacionais, são efeitos jurídicos concretos, não podendo assim classificá-las como do tipo semântica e nem pragmática, mas em uma classificação sui generis, que teremos que elucidar pela analise da possibilidade das normas jurídicas serem interesses pessoais ou de grupos institucionalizados pela política em uma racionalidade que encontra limites jurídicos.
O que será considerado nesta reformulação da idéia de sistema é que as próprias contradições são a força motriz do sistema, pois este evolui nutrindo-se desta dialética, não é a certeza ou a precisão que compõem a cientificidade do direito, mas sua própria concepção antinômica. A contraposição de valores normatizados leva o coque de teses, que por sua vez levará, a cada momento, uma superação em algum ponto de uma tese sobre a outra. Não que esta superação não possa ser revista, e assim no embate não se enxerga uma nova tese vencedora, mas sim um blend na qual a tese envelhecida é rejuvenescida pela preponderância da atualidade da maioria, num jogo democrático em que o avanço social não poderá ser o único caminho. Caracterizado em equilíbrio dialético reflexivo baseando-se em premissas verdadeiras e conclusões de ampla aceitação no qual as forças empurram o círculo para traz ou para frente, e não numa linha dialética de criação de antítese sobre tese. As forças, na tensão dialética do direito, ocorrem entre aquilo que já de conquistou e aquilo que se deseja conquistar, entre a realidade e o ideal, na dialética da complementaridade, na funcionalidade entre contrários, entre meios e fins, entre forma e conteúdo, ou entre as partes e o todo.
Esta idéia do conflito normativo como premissa do conceito adotado modernamente surgiu no período de consolidação de idéias políticas e jurídicas da Revolução Francesa, quando foi afirmada a concepção do direito como sistema, tornou imprescindível para a problemática jurídica a conceituação de antinomia em termos de profundidade. A partir do século XIX, com surgimento do constitucionalismo, a idéia de sobreposição de uma norma sobre outra ganha outro aspecto, além da temporalidade, a vinculariedade com a Constituição. Os Estados-membros da Europa reunidos em uma Comunidade ainda estabelecem norma ao nível superior: o comunitário.
Este comprometimento social é feito pelo equilíbrio do meio jurídico pelo equacionamento da segurança jurídica, através da maximização da justiça, seguindo a vertente axiológica da reviravolta do pensamento ocidental aberta por Descartes e concluída por Kant, tendo como preocupação principal a proporcionalidade da individualidade com a coletividade, do naturalismo com o positivismo, do poder com a opressão.
Tendo a preocupação da descrição do relacionamento deste novo elemento considerado, o homem, com a norma, mas não no campo anteriormente elucidado, da aplicação, mas sim o da criação. Esta nova fronteira científica, a legística ou legisprudência, relaciona o processo legislativo e todas as técnicas envoltas na maneira de produzir leis, define alguns parâmetros a serem considerados na atuação do Poder Legislativo para concreção da efetividade da gestão pública, da eficiência administrativa, e da eficácia dos gastos públicos, todos pré-requisitos da responsive law.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Judiciário, mudanças e democracia.


O Poder Judiciário Mato-grossense passa por mudanças, e ao que tudo indica tidas como consensuais entre aqueles que essencialmente administram a justiça, que pese alguns apontarem a falta de ressonância da discussão com a base classista dos advogados.
As mudanças teóricas foram grandes, vanguardas foram assumidas, o que falta agora é o resultado prático, pois se a lei sem eficácia jurídica é lei que não pega, vara de improbidade administrativa que não prende ninguém é vara que literalmente não pega.
Aos olhos dos mais atentos, resta ainda, um fato a ser analisado, a escolha do novo desembargador. Fato este que independentemente do escolhido e dos pretéritos demonstra um pano de fundo interessante, é a evidência do modo organizativo do Poder Judiciário. É necessário acredito ser necessário tecer alguns comentários em relação aos modos de organizacionais do Poder: o burocrático e o democrático.
O poder burocrático interno é exercido de cima para baixo e não o inverso conforme a organização democrática. Um exemplo prático da forma organizacional burocrática é o exercício, exclusivo, do poder de escolha, pelos membros do Tribunal, por critérios altamente subjetivos, em definir qual será o magistrado de entrância especial que será conduzido ao ingresso da cúpula, ou seja, será alavancado ao cargo de desembargador.
Assim sendo a primeira característica da organização interna do Judiciário exsurge: burocrática. Porém a organização do Poder Judiciário brasileiro já se aprofundou tanto neste modo organizativo que não se classifica como meramente burocrática, e sim em sua espécie metamórfica evolutiva mais adaptada aos tempos em que vivemos: a tecnoburocracia.
Do exercício perpétuo do poder através da burocracia, na qual somente os membros do órgão colegiado e não todos os membros do judiciário exercem o poder de escolha, emana uma outra característica da organização do Judiciário, a autocracia.
Ao longo do tempo o modo autocrático de escolha dos membros dos Tribunais foi se perpetuando. Formou-se com isso um seleto grupo de magistrados envolto numa suposta legitimidade inatingível e assim capaz de exercer seus interesses sem qualquer empecilho. Caso esteja incluído, nestes interesses, a passagem de um magistrado em detrimento de outro, de uma estância à outra, ou ainda, a posse de juiz como desembargador assim será feito, em conformidade com os pressupostos vagos da discricionariedade do ato de provimento de promoção; por antigüidade ou por merecimento.
Em contraposição a este modelo burocrático está, mais uma vez, o sistema moderno democrático contemporâneo. Tal sistema é um avanço histórico a ser dado necessariamente pelo Estado que anseia a democracia em suas veias organizacionais. A escolha neste modelo é feita de forma democrática, são todos os juízes que determinam quem será o novo desembargador, os juízes votantes são na grande maioria de primeira instância, e por isso a caracterização da escolha como sendo feita de baixo para cima (democrática).
Histórias de outros países apontam que tal caminho é a luta para a democratização da Justiça e ainda a garantia da respeitabilidade cada vez maior desta perante a sociedade.

Bruno J.R. Boaventura – Advogado especialista em Direito Público.