quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O servidor público estabilizado deve ser defendido II

O presente texto tem um só sentido: o de ajudar a esclarecer ao servidor público estabilizado o seu direito e defende-lo, não podendo aceitar que anos de prestação de serviço público sejam ignorados.

A estabilidade no serviço público é também possível em decorrência do exercício por no mínimo 5 anos no cargo público anteriormente a publicação da Constituição Federal, por força da aplicação do artigo 19 dos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias.

A Ordem de Serviço n.º 22/2016 do Secretário de Estado de Gestão determinou que houvesse cessação das progressões tanto horizontais e verticais dos servidores estabilizados. Acontece, que existem alguns princípios constitucionais sendo afrontados por essa Ordem de Serviço.

O primeiro a ser aqui abordado é o da Reserva Legal. É o que está previsto nos incisos II e XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. Em se tratando de uma determinação que afeta o direito a progressão do servidor estabilizado fica patente de que não é uma ORDEM DE SERVIÇO meio hábil para sua previsão, mas sim a LEI. Isto é devido ao chamado princípio da reserva legal, ou seja, em se tratando de um direito do servidor estabilizado é reservado a LEI tal tarefa, conforme o inciso IX do artigo 129 da Constituição Estadual.

O segundo, é o princípio do devido processo legal. O ato de determinação de restrição ao direito a progressão capaz de repercutir sobre a esfera de interesse do servidor deveria ser precedido de procedimento que garanta a ampla defesa e o contraditório, conforme a Lei de Processo Administrativo Estadual, e o disposto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. O Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso já consolidou em sua jurisprudência o seguinte: qualquer ato da Administração Pública capaz de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deveria ser precedido de procedimento em que se assegurasse, ao interessado, o efetivo exercício dessas garantias, vejamos: AI 66277/2014, DESA. MARIA EROTIDES KNEIP BARANJAK, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 30/09/2014, Publicado no DJE 10/11/2014; MS 70495/2011, DES. PAULO DA CUNHA, TRIBUNAL PLENO, Julgado em 22/03/2012, Publicado no DJE 01/06/2012; MS 82413/2011, DES. RUI RAMOS RIBEIRO, TRIBUNAL PLENO, Julgado em 23/02/2012, Publicado no DJE 18/04/2012.

Sobre a aplicação do princípio constitucional da igualdade, não há na Constituição Federal ou legalmente qualquer diferença entre o servidor público efetivo e o servidor público estabilizado para efeito do enquadramento nos termos da legislação da carreira. Ora, havendo identidade jurídica e fática entre os sobreditos servidores, as normas pertinentes devem ser aplicadas de forma idêntica à ambos, ou seja, todos exercentes da mesma função possuem o direito a mesma progressão na carreira.
Temos ainda, o princípio da segurança jurídica em razão da existência da decadência administrativa. 
A Lei n.° 7.692/02 dispõe no artigo 26 que o prazo decadencial é 10 anos. Em todos os casos existe a prova inequívoca do transcurso do prazo decenal para revisão do ato de estabilidade para que pudesse a Administração Pública considerar que não mais existe o direito a progressão.

Finalmente, tem-se que tal Ordem de Serviço n.º 22/2016 pela importância da matéria deveria ser submetida ao novo procedimento estabelecido pela Lei Complementar n.º 590/17, em que se exige que qualquer orientação jurídico normativa seja homologada pelo Governador.

Bruno Boaventura.

Advogado. Especialista em direito público. Mestre em política social pela UFMT. 

sábado, 11 de março de 2017

O mito de Cérbero e a modernização da confusão do ódio como razão.

Quantas circunstâncias poderíamos descrever em que o ódio se faz confundido com a razão ? Em que as palavras não descrevem argumentos, mas sim uma simbiose de indiferença, emoção e preconceito. São muitas. Acredito que todos nós já vivemos ao menos uma destas possíveis circunstâncias. Porém, como possamos tentar entender essa prática cada vez mais presente no nosso cotidiano ?

Existe um mito da antiguidade que pode nos ajudar. Trata-se de Cérbero, o demônio em forma de cão raivoso de ao menos três cabeças que guardava o Inferno. Permitia a entrava, mas proibia a saída das almas. Dante de Alighieri, o encontrou no terceiro círculo do Inferno. Lá fazia uma eterna chuva gélida e pesada que em um monótono ritmo precipitava. As almas eram mordidas pelas presas raivosas de Cérbero e que ao latir faziam com que desejassem ser surdas. Ciacco, uma destas almas, falou arrependido para Dante: “volta à tua velha conhecença na qual se ensina que o ser mais perfeito mais sente seja o bem e seja a ofensa.”

O mito de Cérbero nos identifica que o inferno do ódio deixa nos entrar, mas dificilmente estando dentro se pode sair. Em todos os que no terceiro círculo do Inferno foram parar, a chuva gélida os fazia na própria pele não esquecerem que o seu erro foi de terem sido frios com outros. Cérbero os mordem, dia após dia, por toda a eternidade. Lembram assim que não compreender as suas próprias emoções os levou a serem raivosos tal como um cão demoníaco. O latido escurecedor de Cérbero é a condenação pelo preconceito que tiveram para os outros. Em vida, somente o que faziam eram gritar como se a razão fosse medida pelo tom da altura das palavras. Aprendem assim que ódio silencia o outro não pela força do argumento, mas pelo argumento da força.

O que Ciacco nos representa é o arrependimento de também ter sido assim: guloso ao ponto de querer engolir a razão do outro. Para toda a sua eternidade saberá que o ser humano na filosofia de sua vida não pode deixar se levar pelo ódio, pois quanto mais consciente mais percebe o bem e a ofensa. O ódio somente nos leva a ofensa, pois não há razão. Não há razão em sermos emotivamente indiferentes com base em preconceitos.

De todas as possíveis circunstâncias do ódio, a que mais me indigna é a da política. Neste  atual projeto da modernidade neoliberal e ultraconservador em que vivemos, na política, o ser é levado a se crer como um individualista extremado. Por mais que a prática lhe demonstre, ainda sim se imagina mais esperto pensando três vezes sobre a mesma coisa do que dialogando com duas pessoas diferentes sobre a mesma coisa. As inúmeras cabeças de Cérbero não fizeram do cão um ser mais inteligente, pelo contrário, são a própria representação da contradição tresloucada de desejar ir a três lugares diferentes ao mesmo tempo. 

Tal como Cérbero, os políticos adeptos desta modernização do mito do ódio como razão desejam que entremos no seu inferno. Fazem política mostrando presas raivosas e nos forçando a desejar a surdez.

O ódio faz esse político querer ter a razão levado pela emoção. Se demonstrar com a razão mesmo se baseando em presunções preconceituosas que fogem da teoria ou da prática. Em querer impor ao outro a sua razão pela indiferença da razão do outro.

É essa a simbiose que pode explicar, a modernização do mito de Cérbero pela figura do político do Deputado Bolsonaro. Esse se afirma como um cristão que defende a tortura. O ódio o faz esquecer do amor ao próximo e deseja violenta-lo, como as mordidas de Cérbero. Se diz eleito pelo povo e defende a ditadura. O ódio o faz desconhecer a sua própria circunstância, lhe tornando cão de guarda de um inferno, tal como Cérbero. Que se diz parlamentar sem nenhuma lei aprovar. O ódio não o permite agir ao bem do coletivo, o que faz é gritar como os latidos de Cérbero. É essa a própria representação brasileira da modernização da confusão do ódio com a razão na política.

Bruno Boaventura.
Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social pela UFMT. www.bboaventura.blogspot.com

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Morre o Impunível,surge o Inapedrejável. Ato 7.

Prólogo:  o suicídio do Impunível na prisão afogou Inapoderável no mar da tranquilidade, levado ao fundo pelo peso da certeza do futuro e sufocado ao não respirar o confronto de ideias. Não era ausência de força de vontade do Inapoderável de ressurgir fazendo o mar revolto novamente, mas apenas e tão somente a falta de poesia na conjuntura. Eis, após a atracagem da arca de Noé e a subida ao Monte Ararath, se anuncia o discurso do novo velho poderoso, o Inapedrejável, o dono de agora do Palácio do pai das águas:

 - Cidadãos da República não encontrada, tens fome, de justiça ? Tens sede, de punição ?  Eu os saciarei, arrebatei o braço político do sistema. Eu lhes dou a migalha do pão que não se come, eu lhes dou para beber o sangue do inimigo. Eu tenho a palavra da salvação: tudo se transforma. Que as cores do caos se transformem no branco da paz da minha camisa importada de algodão transgênico!  Que o silêncio dos meus inocentes se transformem no grunhido da nossa culpa de sempre ! Que o medo dos bons seja o medo de todos ! A mim, ninguém haverá de falar, transformá-los-ei no silêncio da delação não divulgada. A mim, ninguém haverá de controlar, transformá-los-ei em robôs movido a corda orçamentária. A mim, ninguém haverá de se opor, transformá-los-ei em nomeações no diário oficial. Tudo se transformará, tudo se transformará no esplendor do gênio do meu sermão !

Um repente da luz forte do Sol lhe atinge a fronte, força-lhe colocar a mão em riste como se conseguisse pausar o tempo, limpa o suor na testa e molha a boca com a língua sentindo o amargor das suas palavras, olha aos céus como se uma dúvida repentina passasse em sua consciência, retoma o discurso com um ardor ainda mais intenso:

- O Estado será o que deve ser: um parecer de honestidade com 70 milhões de motivos repassados ao que antes era chamado de imprensa e o hoje é o mercado da informação. Transforme-me-ei no Inapedrejável, o Bicudão da Balburdia do Grosso Mato !

De surpresa, Inapoderável surge de baixo como quem sobe a escada do próprio túmulo com a aquela sensação de que em todas as mortes de todas as guerras o que se tenta é manter viva um pouco da inocência da teimosia do homem acreditar no próprio homem. A vitória do embate anterior com o Impunível já não passava de um nada na memória. O futuro, eis sempre a razão do seu agir:

- Inapedrejável, fiel és tu do “nada se cria, tudo se transforma”. A ti mesmo posso ver, és como uma grande borboleta que metamorfoseou do dia para noite. Nunca teve sede, o que tens é a fome de sempre devorar dia após dia as entranhas do poder. Tal como um ególatra, foi uma lagarta faminta que devorou toda a flora até que passou a comer a si próprio pelo vício do querer muito mais. Não lhe faltou o Estado como o alimento, buscou devorar até o que se tinha dentro de si. Ao seu dever não lhe faltaram privilégios. A burocracia foi o seu casulo. Livre está, lembra-te, transformai-se em uma frágil borboleta e não em um Estadista. Não se deixe enganar. Por mais que falem que suas palavras são belas, suas atitudes são louváveis, o seu projeto político é como um voo de uma borboleta: muda de direção pela força do vento que sopram em suas asas.  Sem que perceba, agora, estar a voar sobre um deserto verde, sem predadores ou presas, em que a paz na verdade significa o medo da solidão. O seu descanso é nutrido com veneno. As suas ideias ficam frágeis, seus sonhos se tornam efemeridades. Não reconhece mais o valor da diferença. O peso da desigualdade ? A dor do racismo ? O medo do ódio ? Agora, ignora até mesmo os que serviram contigo,  os transformou em servos do retrocesso. 

Não mais, não mais imperará sob os auspícios da terra arrasada. É hoje, a hora é essa, o que se cria agora é a mudança que se projeta no amanhã. O Sol haverá novamente de brilhar para todos.

Epílogo: inicia-se um novo embate do Inapoderável. Agora, contra o Inapedrajável. No ar, pairava que o tempo continuaria sendo de chuvas, cada vez mais fortes e constantes. Era um tempo de reformas.

Bruno Boaventura – Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social pela UFMT.

Obs.: O ato 7 é precedido do ato 1 – O Impunível, do ato 2 – O Inapoderável e do ato 3 – O debate inicial entre o Impunível e o Inapoderável, e do ato 4 – O debate assemblear entre o Impunível e o Inapoderável. Ato 5 - A prisão de um Impunível e o removimento das massas. Ato 6 - A morte do Impunível. Todos disponíveis em: www.bboaventura.blogspot.com 

O servidor público estabilizado deve ser defendido

A que ponto chegou a vontade de querer atacar os direitos dos servidores públicos com a justificativa de austeridade/controle de gastos. Vejam mais um exemplo, o caso dos servidores públicos estabilizados.
A estabilidade no serviço público é também possível em decorrência do exercício por no mínimo 5 anos no cargo público anteriormente a publicação da Constituição Federal, por força da aplicação do artigo 19 dos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias.
Sendo que após anos de serviço público prestados, podendo se chegar a 29 anos, os servidores estabilizados são surpreendidos com uma interpretação tanto da União, do Estado como de alguns Municípios que está lhes impor a perda do direito as progressões tanto horizontais como as verticais já realizadas ao longo da carreira. Inclusive, também colocando em risco a sua filiação ao regime próprio de previdência, sendo que o próprio Tribunal de Contas já reconheceu como questão caducada.
É essa a injustiça que está acontecendo.
Já existem entendimentos da jurisprudência que defendem a não diferenciação dos servidores públicos estabilizados constitucionalmente dos demais servidores públicos efetivos.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu em sentido favorável a aplicação dos direitos previstos no regime estatutário ao servidor estabilizado constitucionalmente, conforme decisões baseadas no seguinte precedente: RMS 19.915/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/09/2008, DJe 29/09/2008. Em outra decisão, essa mais especifica, temos que o Superior Tribunal de Justiça asseverou que o servidor estabilizado constitucional deve ser enquadrado na carreira sob o regime estatutário: MS 7.306/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 12/09/2001, DJ 12/11/2001, p. 125.
O próprio Tribunal Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso já se posicionou quanto a matéria no sentido de que existe o direito do serviço público estabilizada a licença prêmio, já que não há no texto legal qualquer diferenciação entre ambos MS 153827/2014, Des. Rui Ramos Ribeiro, julgado em 14/05/2015, publicado no DJE 29/05/2015.
Não só essa diferenciação injusta aos servidores que praticam as mesmas funções sejam efetivos ou estabilizados deve ser questionada, como também a própria forma que pode estar sendo aplicado esse ataque.
O servidor público estabilizado para ter reduzido o seu subsídio em razão da retirada das progressões já lhe concedidas deve ter a oportunidade a ampla defesa em um devido processo administrativo anterior ao ato de redução do subsídio. Caso isso não aconteça, e deve acontecer na forma e no rigor que a Lei determina, estará sendo cometida uma flagrante ilegalidade que deve ser também questionada.
O presente texto tem um só sentido: o de ajudar a esclarecer o direito ao servidor público estabilizado conhecer o seu direito e defende-lo, não podendo aceitar que anos de prestação de serviço público sejam ignorados.
Bruno Boaventura.
Advogado. Especialista em direito público. Mestre em política social pela UFMT. www.bboaventura.blospot.com