sexta-feira, 20 de março de 2009

A miséria de senso.

É no silêncio que tudo ecoa. È no silêncio da digestão que ecoa o grunhido sepulcral da fome. É no silêncio do vazio de pensamento que ecoa a falta de senso. E como falar da fome em si que nunca senti, não me atrevo. Mas o que também sei é que nunca me esvaziei quanto a fome do próximo. É diante desta situação que não me silencio. E quem se silencia? Ninguém, todo aquele que é humano não se cala diante da fome. É só ouvir suas próprias idéias, ouvi-lás é o primeiro passo para ter senso. Não silencie suas idéias próprias, mas faça delas o seu senso de olhar a injustiça de uma criança famélica ao lado de uma outra rechonchuda criança diabética.
Os efeitos não só da fome, mas da desnutrição permanente, principalmente a falta de ingestão da necessidade diária de proteína, afetam o desenvolvimento não só moral, mas físico do indivíduo. O cérebro humano necessita para sua formação completa de certa quantidade de proteína na infância, estes efeitos devastadores acompanharam o individuo em toda a sua existência. A fome não é gerada por falta de alimentos, mas sim por falta de política de distribuição igualitária dos alimentos, pois se somos o Estado do país com maior produção de grãos nem por isso somos o com melhor índice de nutrição per capita. Assim acredito que a fome é o guia de nossas necessidades, e as necessidades dos outros é a fome daqueles que clamam por justiça social.
A miserabilidade desta era patética é a falta de senso, seja comum ou crítico. Quanto a fome, saibamos que a voz que fala desta injustiça é a que deve ecoar neste silêncio orquestrado.
A crise não é econômica, é de senso, ou você também acha que devemos salvar bancos invés de pessoas da fome? O argumento de que com os bancos falidos a catástrofe do caos financeiro gerará mais fome é uma falácia, pois o princípio básico do capitalismo de que a necessidade faz a demanda foi invertido pelo sistema financeiro atual. A crise é justamente porque o sistema financeiro não produzindo nada, sobrevivendo tão somente de especulação, destina a todo o tempo para atender demanda e senão a tem, acaba tendo que forçar a necessidade.
A era da responsabilidade chegou e com ela o dever de reverter esta miséria de senso, para então quem sabe revertermos no Brasil a miséria da desigualdade. Afinal estamos em penúltimo lugar entre o conjunto dos países do mundo em distribuição de renda: 1,7 milhão de brasileiros ricos, ou seja, 1% da população, se apropria da mesma soma de rendimentos familiares distribuída entre outros 86,5 milhões de pessoas (50% da população); 53,9 milhões de brasileiros (37,7% da população) sobrevivem com menos de R$ 160,00 mensais e são considerados pobres; e 21,9 milhões de brasileiros (12,99% da população) são indigentes, ou seja, possuem uma renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo
Diante da miséria alheia são os olhos que revelam o senso do amor ao próximo. A miséria do homem é a fome, e a miséria de sua alma é a falta de senso.

Bruno J.R. Boaventura – advogado

A ideologia do lucro – parte III.

O nosso Estado é o Democrático de Direito, em que temos que buscar a concreção de nossos direitos que foram estabelecidos de forma democrática, através da democracia. Significa que pelas regras do jogo, e todo jogo tem uma racionalidade elementar necessariamente conflituosa, mas no jogo democrático esta conflituosidade é integrada como auto-regra do jogo.
A realidade social do Estado somente é enxergada quando um de nossos olhos está sob a ótica positivista (as leis como regras editadas pelo legislador ou aplicada pelos tribunais) e o outro está sob a ótica sociológica (que reserva o nome de direito para as regras que são efetivamente seguidas na prática), conjugando respectivamente a teoria jurídica da validade com a teoria sociológica da validade. Após a queda do positivismo como o legítimo método das ciências do discurso político-ideológico conservador, o embate é entorno do conceito de sociológico, que a partir de Max Weber é defendido apenas como a absorção de significantes da economia para as outras ciências. Gerando posteriormente a tese, sintetizada por Gary Becker (Prêmio Nobel de 1992), que a economia é o método de análise natural de todos os aspectos da vida humana, na perspectiva contemporânea de superar o sentido do Estado como campo de disputa da opressão e dos oprimidos como premissa da promoção dos ideários da política neo-liberalista.
É a através da democratização de nossa democracia que poderemos fazer o embate das falaciosas teses da ideologia do lucro, pois esta possui inerentemente contradições conceituais e práticas que se formalizam em antinomias institucionais que permitem uma dupla superação endógena e exógena. O objeto do estudo será exatamente este: caracterizar e propor soluções aos efeitos do antagonismo estatal em ser democrático e não viabilizar a participação nas definições de políticas públicas dos movimentos sociais que representam a maximização do querer participar da sociedade civil organizada.
Bruno J.R. Boaventura – advogado.

domingo, 8 de março de 2009

A Ordem e a amagi.

Em 2350 a.c., reconhecidos por muitos, como o primeiro registro histórico de codificação de normas, e também a primeira reforma social temos o Código de Urukagina ou Uruinimgina. Auto-denominado de Rei de Lagash ou Sumer, cidade da antiga Mesopotâmia.
Historiadores renomados apontam o texto de Urukagina como um dos mais precisos documentos de combate à tirania e a opressão do poder da história humana, em todos os possíveis sentidos, e também, como o primeiro registro da concepção da idéia de liberdade, pela palavra amagi, epistemologicamente definida como o “retorno para a mãe”. Assim muito mais que uma empresa, o significado da palavra amagi presente na história é o de valor universal da liberdade.
È este valor universal que sustenta tantos outros valores como a democracia, a justiça e a possibilidade de um jornalista manifestar tanto o seu pensamento bem como as informações que recebe. Pois é da ética do jornalista que extraímos o direito de sigilo da fonte, e constatamos cada vez menos o dever corajoso do não sigilo da informação. É desta mesma ética de fazer da verdade um norte que temos a diferença fulcral das indiretas e das diretas, se em uma tudo passa as claras, na outra nada passa senão de futricas obscuras.
Questiono-me o quanto a OAB/MT deveria colaborar com a concreção deste valor, e o quanto realmente colabora? Não se trata de discutir o quanto que a Diretoria desta instituição gasta com a propaganda oficial, mas sim o quanto luta para que a liberdade de expressão do pensamento seja efetivada em todos os seus sentidos.
Ao lançar uma ofensiva contra o dever ético de um jornalista noticiar as informações que recebe, o Presidente da OAB/MT mais uma vez, pelos menos ao que me parece, esqueceu de seu dever institucional de se preocupar primeiro com a compostura digna de um Presidente da OAB e se veredou em reiterada patética defesa de seus momentâneos interesses pessoais. Mas ao advogado, o que isto interessa? Tudo, pois é da liberdade do jornalista em informar que também advém a nossa liberdade de peticionar. È da mesma mãe que nasce a notícia e a petição.
Ao final o que fica é o quanto lutamos por nosso propósito, e acredito que todos sabem que a história esculpiu a OAB com o propósito de ser defensora e não ofensora da liberdade. Ora, ou sejamos íntegros em nosso propósito ou falharemos já no início com a missão de cada um dos advogados e jornalistas em defender a liberdade. Não tememos se ao final desta luta houver falhas, pois devemos saber que a glória não é a vitória a todo custo como alguns pensam, mas sim que o custo da derrota da liberdade é pago por todos, e exatamente este preço que devemos evitar.
Nós lancemos na chuva para que possamos nos molhar por este propósito de liberdade, e nos juntemos ao vento da mudança. Não sejamos meros expectadores de uma gestão que privilegia as ofensivas à liberdade de pensamento ao invés de reflexivamente ser capaz de demonstrar um equilíbrio proporcional à altura do valor universal da liberdade. Não deixemos que o lodo do autoritarismo cubra a mais linda das flores do jardim da sociedade livre: a possibilidade de informar e sermos informados; e principalmente protegemos a nossa rosa dos ventos: a corajosa liberdade do pensamento crítico.
Bruno J.R. Boaventura. Advogado.