sábado, 22 de dezembro de 2018

RGA: O TCE/MT E A FALÁCIA DA FRUSTRAÇÃO DA RECEITA CORRENTE LÍQUIDA



A Lei n.º 8.278/04 que estabelece a política de revisão geral anual da remuneração e do subsídio para os servidores públicos do Poder Executivo Estadual estipula três requisitos para a concessão da RGA, sendo um destes requisitos, o seguinte: II - incremento da receita corrente líquida verificado no exercício anterior ao da revisão, atendidos os limites para despesa com pessoal de que trata a Lei Complementar Federal n° 101, de 4 de maio de 2000, as prescrições do art. 169, § 1°, da Constituição da República Federativa do Brasil, respeitado o índice prudencial da Secretaria do Tesouro Nacional – STN.

No ano de 2017, os números transparecem no Relatório Resumido da Execução Orçamentária de que a Receita Corrente Líquida está com superávit em relação ao que foi previsto. O que pode ser verificado no Relatório de Acompanhamento da própria Secretaria de Fazenda que demonstra que o incremento da Receita Corrente Líquida até novembro de 2017 em comparado ao previsto para o ano inteiro de 2017 foi de 105,90%, vejamos:
                    



Além do mais, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária em que se demonstra o comportamento da Receita Corrente Líquida até o 6º bimestre de 2017 foi divulgado no site da Sefaz, consoante o artigo 52 da Lei de Responsabilidade Fiscal.[1]  Tal documento público dispõe de forma a comprovar de que o previsto para a Receita Corrente Líquida no ano de 2017 era uma arrecadação de R$ 12.797.483.535,69 e foi realizada o total de R$ 13.370.957.833,27, ou seja, houve o incremento de R$ 573.474.297,58, vejamos:




Os Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária do 5º e 6º bimestres de 2.017 comprovam de que não houve frustração de receitas, mas sim incremento, portanto, não há qualquer justificativa plausível para o não pagamento da RGA.

Se fosse o caso de realmente haver frustração de receitas, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que fosse apresentada no Relatório Resumido da Execução Orçamentária a respectiva justificativa com a especificação das medidas de combate à sonegação e à evasão fiscal, vejamos, o que determina o inciso II do § 2o  do artigo 53:

“Art. 53. Acompanharão o Relatório Resumido demonstrativos relativos a: (...) § 2o Quando for o caso, serão apresentadas justificativas: (...)  II - da frustração de receitas, especificando as medidas de combate à sonegação e à evasão fiscal, adotadas e a adotar, e as ações de fiscalização e cobrança.” (Grifos nossos).

Não há nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária do 5º e 6º bimestres de 2.017 qualquer justificativa quanto a existência da frustração de receitas.     




Sendo que o próprio Secretário de Planejamento asseverou de que a “receita cresceu nesse período”, vejamos:

“Frente aos números positivos e questionado sobre as medidas de contingenciamento adotadas pelo Estado, bem como a necessidade do fundo que será criado para a estabilização fiscal, Müller explicou que o problema não está na receita e sim no excesso de despesas criadas. “A receita cresceu nesse período que nós apresentamos, mas só que as despesas cresceram muito mais. Esse é o problema.[2]” (Grifos nossos).


Sendo que o Relatório Resumido da Execução Orçamentária do 5º Bimestre de 2018 informa de que a Receita Corrente Líquida para o ano de 2018 estava prevista em R$ 14.333.333.621,77, sendo que foi arrecadada a quantia de R$ 14.525.791.779,61. Um incremento até então de R$ 192.458.157,84, vejamos:



O gráfico da evolução da Receita Corrente Líquida do Estado de Mato Grosso, conforme os dados mês a mês constantes nos relatórios bimestrais da execução orçamentária a partir de janeiro de 2013 até outubro de 2018[3], demonstra que ao longo do tempo não houve qualquer alteração signitifcativa do padrão da linha, vejamos:




Os Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária de 2.018 comprovam de que não houve frustração de receitas, mas sim incremento, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal.


A Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal em julgamento da liminar da APDF 504 asseverou de que a “frustração de receita não ficou comprovado”, pois “verifica-se que a arrecadação da receita líquida permaneceu estável, sem frustrações relevantes ou significativas”:
                                                        




Os dados levantados demonstram que é uma falácia a premissa de que houve no Estado de Mato Grosso frustração da Receita Corrente Líquida, pelo contrário, o que verdadeiramente existe é o incremento.

Bruno Boaventura.

Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social.


[1]  Art. 52. O relatório a que se refere o § 3o do art. 165 da Constituição abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e composto de:

[2] Disponível em: http://www.mt.gov.br/web/seplan/-/9340746-pib-de-mato-grosso-cresceu-14-1-no-terceiro-trimestre-de-2017

[3] Disponíveis em: http://www5.sefaz.mt.gov.br/web/sefaz/relatorios-lei-de-respons.-fiscal

sábado, 15 de dezembro de 2018

RGA: O TCE/MT E A MENTIRA DA INCAPACIDADE FINANCEIRA DO ESTADO DE MATO GROSSO



O que se desvela neste texto é que o Tribunal de Contas de Mato Grosso não tem sequer prova da incapacidade financeira do Estado em conceder a RGA, já que o Conselheiro Interino Relator menciona a necessidade de ser “indispensável a perícia contábil  para aferir a capacidade financeira do Estado para conceder revisão geral anual sem prejuízos”, tal perícia “a ser realizada por empresa especializada de auditoria e/ou perícia contábil”, vejamos:


A mera sugestão de contratação de perícia contábil por empresa especializada feita pelo Conselheiro Interino apresenta ser contrária ao que determina o artigo 46 da Constituição do Estado de Mato Grosso, sobretudo, o que diz respeito ao princípio da economicidade ante a existência e o respectivo proposito de atuação do próprio Tribunal de Contas do Estado[1].

O ferimento do princípio da indisponibilidade pública está configurado pela não demonstração exaustiva da existência da incapacidade do Estado de Mato Grosso em efetivar a RGA como previsto em Lei, pois justificar de forma leviana e simplória, algo complexo e profundo é negar a sua essência existencial.

A Lei n.º 8.278/04 que estabelece a política de revisão geral anual da remuneração e do subsídio para os servidores públicos do Poder Executivo Estadual estipula três requisitos para a concessão da RGA, quais sejam: I - ocorrência de perdas salariais resultantes de desvalorização do poder aquisitivo da moeda, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificadas no exercício anterior ao da revisão; II - incremento da receita corrente líquida verificado no exercício anterior ao da revisão, atendidos os limites para despesa com pessoal de que trata a Lei Complementar Federal n° 101, de 4 de maio de 2000, as prescrições do art. 169, § 1°, da Constituição da República Federativa do Brasil, respeitado o índice prudencial da Secretaria do Tesouro Nacional - STN; III - capacidade financeira do Estado, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social. [2]

Quanto ao inciso I do artigo 3º da Lei, a capacidade financeira do Estado, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social, foi defendida pelo próprio Poder Executivo. Primeiramente, quando da própria apresentação do projeto de Lei à Assembleia Legislativa, vejamos:




Também ao longo do processo junto ao TCE/MT, foi defendido pelos técnicos do Governo de Mato Grosso de que existe sim tal capacidade sem menosprezo com o índice prudencial do limite do gasto com pessoal, vejamos:


Temos ainda que relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social, não foi impeditivo a concessão da RGA ao aumento exponencial do gasto com Segurança Pública, área de evidente interesse social, conforme gráfico abaixo com dados levantados dos Relatórios de Execução Orçamentária do 6º Bimestre de cada ano disponibilizados no site da Secretária de Fazenda:






Os dados nos revelam que o Tribunal de Contas de Mato Grosso ao concluir pela incapacidade financeira do Estado, o fez com subjetivismo e sem demonstração cabal dos dados necessários para tanto. É uma inverdade que o Estado de Mato Grosso esteja em condição de incapacidade financeira para arcar com a responsabilidade Constitucional e Legal da obrigação de pagamento da RGA, até que haja prova do contrário.





[1] Art. 46 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e das entidades da Administração Pública direta e indireta, quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

[2] Art. 1º Esta lei estabelece a política de revisão geral anual da remuneração e do subsídio para os servidores públicos do Poder Executivo Estadual. Art. 2º As remunerações e os subsídios dos servidores públicos, civis e militares, do Poder Executivo Estadual serão revistos, anualmente, no mês de maio, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões. Art. 3º A revisão geral anual, que será correspondente ao período de janeiro a dezembro do exercício anterior, fica condicionada aos seguintes requisitos: I - ocorrência de perdas salariais resultantes de desvalorização do poder aquisitivo da moeda, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificadas no exercício anterior ao da revisão;
II - incremento da receita corrente líquida verificado no exercício anterior ao da revisão, atendidos os limites para despesa com pessoal de que trata a Lei Complementar Federal n° 101, de 4 de maio de 2000, as prescrições do art. 169, § 1°, da Constituição da República Federativa do Brasil, respeitado o índice prudencial da Secretaria do Tesouro Nacional - STN; III - capacidade financeira do Estado, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social. Art. 4º O índice de correção salarial será fixado ou alterado mediante lei específica. Art. 5º O disposto nesta lei não prejudicará eventuais recomposições ou reajustes salariais decorrentes de adequações setoriais da administração pública direta, indireta e fundacional. Art. 6º O Conselho de Gestão de Pessoas - COGEP constituirá, anualmente, Comissão Especial com a participação de representantes do Governo e das entidades representativas dos servidores públicos. Parágrafo único. Compete à Comissão Especial: I - avaliar a ocorrência dos requisitos previstos no art. 3° desta lei; e II - sugerir índices de revisão geral anual da remuneração e dos subsídios dos servidores públicos estaduais. Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.


domingo, 9 de dezembro de 2018

RGA: A FARSA CONSTITUCIONAL DO TCE/MT COMO PODER MODERADOR


O Tribunal de Contas de Mato Grosso tal como o Poder Moderador sancionou um decreto com força de Lei, pois só um ato com força de Lei poderia revogar os efeitos de uma outra Lei, nesse caso a Lei Estadual nº 10.572/2017 que estabeleceu a Revisão Geral Anual dos servidores públicos de Mato Grosso.

O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso comete abuso de poder ao se arvorar do poder jurisdicional de embora não declarar expressamente a inconstitucionalidade de lei do poder público, mas afastar sua incidência, mesmo que em parte, sobretudo, sem qualquer comunicado a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

Temos ainda que o Tribunal de Contas então se fez como Poder Moderador, pois a  Constituição Federal Imperial de 25 de março de 1.824 tem como base a Constituição Francesa de 1.814, e teve como características principais o caráter unitário do Estado, o municipalismo, e uma separação dos poderes mitigada pelo quarto poder, o poder moderador, este inspirado nas teorizações de Benjamin Constant[1], como bem leciona Paulo Ferreira da Cunha[2].

É no título III, que o artigo 10 faz a previsão da forma da divisão das funções do Poder, dispondo com esta redação: os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brazil são quatro: o Poder Legislador, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial. Esta seria a marca na historiografia mundial da única concreta tetra-repartição das funções do Poder.
O Poder Moderador seria a base de toda a organização política, exercido pelo Imperador como Chefe Supremo da Nação, tendo como fim teórico a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos, como detona do artigo 98 e 99[3].Entre as competências estabelecidas ao Poder Moderador que retratam bem a intangibilidade, temos os seguintes incisos do artigo 101: “ III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.”

Em ato iniciado denominado regimentalmente de Representação Interna, o TCE/MT realizou não um inquérito, inspeção ou auditoria, de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional o patrimonial, em unidade administrativa do Poder Executivo – conforme descreve o inciso IV do artigo 47, mas sim a sustação de Lei aprovada pela Assembleia Legislativa sem ao menos comunica-la formalmente dentro do processo que tramita tal sustação.

A decisão gera um novo superpoder dentro da estrutura republicana do Estado Democrático de Direito, um Tribunal que: 1º) pode por iniciativa própria sustar Lei iniciada pelo Poder Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo; 2º) tal decisão de sustação não é passível de sofrer reavaliação por meio da aplicação do princípio do segundo grau de jurisdição, a interesse do afetado ou de terceiro interessado; 3º) tal poder não é controlado via freio ou contrapeso por nenhum outro, já que o Tribunal sequer comunicou o Poder ao qual está vinculado como auxiliar.
É a criação de uma jurisdição sem respeito ao princípio da inércia, irrecorrível e sem qualquer freio ou contrapeso. Estamos a rumar para que o Poder Moderador seja novamente instalado no seio da modernidade brasileira, em que este transmuda o interesse do Banco Mundial de negociação da dívida pública dolarizada em legitimação para sustação de uma Lei constitucionalmente aprovada.

Não há qualquer autorização constitucional ou jurisprudencial que afirme a competência de um Tribunal de Contas poder afastar a incidência de uma Lei baseando-se em outra Lei para tanto. Nula é a decisão que sem previsão constitucional assevera um poder que até então que todos desconheciam: o povo não sabia, os representantes deste no parlamento não sabiam, o Chefe do Poder Executivo também não sabia, e, sobretudo, os constituintes originários não previam a volta do Poder Moderador.

A história se repete, primeiro como a tragédia autoritária do Poder Moderador na Constituição de 1824, agora como farsa constitucional do poder moderador do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

Bruno Boaventura.
Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social.


[1] O “lê pouvoir royal” de Benjamim Constant era teorizado como mecanismo de regulação do equilibrio entre os demais poderes, senão vejamos: “A constitutional monarchy hás the great advantage of creating a “neutral power” in the hands of the King; this power is to be used to maintain harmony between the other three branches of government. The legislative, executive, and judicial powers need to co-operate, each taking part in its own way in the general operations of government, but if instead they are at cross purposes then King must step in to restore harmony.” In: VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.225.

[2] CUNHA, Paulo Ferreira. Do Constitucionalismo Brasileiro: uma introdução histórica (1824 – 1988). Historia Constitucional (revista electrónica), n. 8, 2007. Disponível em: http://hc.rediris.es/08/index.html. Acessado em: 12 de janeiro de 2.008. Paulo Bonavides ressalta a possibilidade da criação de Benjamim Constant ter sido inspirada num publicista, Clermont Ferrand, do século XVIII. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. SP: Malheiros, 2008. p.70.
[3] “Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.  Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.”

sábado, 1 de dezembro de 2018

A decisão de sustação da Lei da RGA de 2018 e o surgimento do TCE/MT como um Poder Moderador


O singelo texto tem como propósito que o Servidor Público conheça e reconheça o direito ao recebimento da chamada Revisão Geral Anual – RGA frente a decisão do Tribunal de Contas no processo 13.348-2/2018.

Tal direito é fundamentado no artigo 4º  Lei n.º 8.278/04, na Lei Complementar n.º 06/90, na Lei Complementar n.º 269/07, no artigo 22, no inciso II do § 2o  do artigo 53, ambos da Lei de Responsabilidade Fiscal, no artigo 47, no artigo 129, ambos da  Constituição do Estado de Mato Grosso, no inciso LIV do artigo 5º, e no artigo 169, ambos da Constituição Federal Brasileira, nas Súmulas 42 e 347, nas decisões da APDF 504 e da ADI 4013, todas do Supremo Tribunal Federal.

A decisão do Tribunal de Contas é nula de pleno direito já que acometida de vício insanável, pelas razões a seguir expostas.

I) Do Desvio de Finalidade pela Transmutação do Interesse do Banco Mundial em Interesse Público;

O que se tem nos autos de realidade concreta é que o se intenta com o afastamento da Lei n.º 10.572/17 é o “reconhecimento de avanços” pelo Banco Mundial com a “efetivação do ajuste fiscal de Mato Grosso” para fins da “renegociação da dívida dolarizada” contraída com o Bank of America. A questão posta como nítida tentativa de reconhecimento da efetivação do ajuste fiscal pelo Banco Mundial entrelaçado com a renegociação da dívida dolarizada foi transmutado e exposto pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso como se fosse o atendimento do interesse dos cidadãos mato-grossenses.

II) Da Ausência de Comprovação da Incapacidade Financeira do Estado de Mato Grosso em Conceder a RGA;

O que se desvela ainda no decorrer do trâmite do processo é que o Tribunal de Contas de Mato Grosso não tem sequer prova da incapacidade financeira do Estado em conceder a RGA, já que o Conselheiro Interino Relator menciona a necessidade de ser “indispensável a perícia contábil  para aferir a capacidade financeira do Estado para conceder revisão geral anual sem prejuízos”, tal perícia “a ser realizada por empresa especializada de auditoria e/ou perícia contábil”.

III) Do Exercício da Autonomia de um Ente Federado – Da Capacidade Financeira da Concessão da RGA conforme o Governo de Mato Grosso através do próprio Chefe do Poder Executivo;

Quanto ao inciso I do artigo 3º da Lei, a capacidade financeira do Estado, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social, foi defendida pelo próprio Poder Executivo. Primeiramente, quando da própria apresentação do projeto de Lei à Assembleia Legislativa. Também ao longo do processo, foi defendido pelos técnicos do Governo de Mato Grosso de que existe sim tal capacidade sem menosprezo com o índice prudencial do limite do gasto com pessoal.

Temos ainda que relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social, não foi impeditivo a concessão da RGA, por exemplo, o aumento exponencial do gasto com Segurança Pública, área de evidente interesse social, conforme dados levantados dos Relatórios de Execução Orçamentária do 6º Bimestre de cada ano, disponibilizados no site da Secretária de Fazenda: passando de menos de 1 bilhão para quase 2 bilhões.


IV) Do Incremento da Receita Corrente Líquida;

A evolução da Receita Corrente Líquida do Estado de Mato Grosso, conforme os dados mês a mês constantes nos relatórios bimestrais da execução orçamentária a partir de janeiro de 2013 até março de 2018, demonstra que ao longo do tempo não houve qualquer desconfiguração do padrão da linha. A Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal em julgamento da liminar da APDF 504 asseverou, conforme já exposto de que a “frustração de receita não ficou comprovado”, pois “verifica-se que a arrecadação da receita líquida permaneceu estável, sem frustrações relevantes ou significativas”.


V) Da  Lei n.º  10.572/17 Como Expressão da Racionalidade Democrática;

A Lei n.º 10.572/17 foi de iniciativa do próprio poder Executivo Estadual. O próprio Poder Executivo no uso da sua autonomia, no uso da sua independência, no uso da sua competência, iniciou o processo legislativo que promulgou a referida Lei. A Lei n.º 10.572/17 cumpriu com todos os requisitos estabelecidos na Lei Complementar n.º 06/90 que dispõe sobre o Processo Legislativo. Temos assim que o trâmite do processo legislativo obedeceu ao que determina o artigo 25, bem como o artigo 39, ambos da Constituição do Estado de Mato Grosso, portanto, não há vício de natureza formal a justificar um possível controle de constitucionalidade.Não se poderia em um Estado de Direito dito Democrático a prática da sustação de uma Lei, pela relevância, complexidade e amplitude por simples arbítrio. Para que não houvesse o cumprimento da Lei deveria a mesma ser revogada, conforme expressou o próprio Governador do Estado de Mato Grosso.

VI) Do Abuso de Poder por Ausência e por Afronta ao Devido Processo Constitucional de Controle Externo;

A decisão gera um novo superpoder dentro da estrutura republicana do Estado Democrático de Direito, um Tribunal que: 1º) pode por iniciativa própria sustar Lei iniciada pelo Poder Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo; 2º) tal decisão de sustação não é passível de sofrer reavaliação por meio da aplicação do princípio do segundo grau de jurisdição, a interesse do afetado ou de terceiro interessado; 3º) tal poder não é controlado via freio ou contrapeso por nenhum outro, já que o Tribunal sequer comunicou o Poder Legislativo ao qual está vinculado como auxiliar.

É a criação de uma jurisdição sem respeito ao princípio da inércia, irrecorrível e sem qualquer freio ou contrapeso. Estamos a rumar para que o Poder Moderador seja novamente instalado no seio da modernidade brasileira, em que transmuda o interesse do Banco Mundial em legitimação para sustação de uma Lei constitucionalmente aprovada.

VII) Não há Antinomias Jurídicas Reais a Justificar a Sustação da Lei n.º 10.572/17;

A Lei n.º 10.572/17  de iniciativa do próprio Poder Executivo Estadual foi afastada em razão não de vício de constitucionalidade formal ou material, mas sim ser uma Lei denominada como ilegal.Acontece, que não há no caso uma antinomia jurídica real, mas sim aparente, pois há uma possível harmonização dos textos legais, bastando para tanto cumprir o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O vício apontado é de que a Lei n.º 10.572/17, aprovada pela Assembleia Legislativa, não cumpriu com os “requisitos condicionantes da lei”, contendo então suposto vício de origem quando concedeu a revisão geral anual em índice não condicente com o acumulado do INPC. A ilegalidade da Lei n.º 10.572/17 não é para com a Lei n.º 8.278/04, conforme já exposto nos tópicos anteriores. O que levaria a concluir que o Tribunal de Contas vislumbrou a da existência de antinomia jurídica real para com a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, o que será descartado a seguir

VIII) Da Necessidade de Cumprimento do que determina a LRF;

Surpreendente, o Tribunal de Contas quando da sua decisão não constatou as medidas trazidas pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal quando é ultrapassado o limite máximo das despesas com pessoal ao não fazer a citação da jurisprudência para qual pretendeu estudar, ficando tal importante conteúdo de forma incompleta na ratio decidendi.

Quando os limites do gasto com o pessoal são extrapolados (artigo 19 e do artigo 20 da LRF), as providências estabelecidas no artigo 169 da Constituição da República são: 1ª) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;  2ª)  exoneração dos servidores não estáveis.

Não há na decisão do Tribunal de Contas qualquer texto, frase ou palavra que possa subsumir que tais providências estejam a se exigir a adoção, conforme previstas na Constituição Federal da República. Inclusive, tal ilação é de muito tempo conhecida dos membros do Tribunal de Contas, conforme ressaltou o Procurador de Contas.

Temos ainda que o inciso I do parágrafo único do artigo 22 da LRF estabelece que a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, proveniente de determinação legal não pode ser vedada, conforme o inciso I do artigo 22 da LRF. Mesmo que a RGA esteja transmudada em aumento conforme conceituou o Conselheiro Interino Relator, a LRF determina a sua aplicação por ser uma determinação legal de concessão de aumento.

IX) Da Aplicação da Decisão da ADI 4013 – STF

O artigo 5º da Lei n.º 10.572/17 incorporou ao patrimônio jurídico dos servidores do Estado de Mato Grosso, tal como decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 4013[1].




[1] Ementa – (...) Vigentes as normas concessivas de aumentos de vencimentos dos servidores públicos de Tocantins, os novos valores passaram a compor o patrimônio de bens jurídicos tutelados, na forma legal diferida a ser observada. 3. O aumento de vencimento legalmente concedido e incorporado ao patrimônio dos servidores teve no mês de janeiro de 2008 o prazo inicial para início de sua eficácia financeira. O termo fixado, a que se refere o § 2° do art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil, caracteriza a aquisição do direito e a proteção jurídica que lhe concede a Constituição da República.


Bruno Boaventura.
Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social.