domingo, 9 de dezembro de 2018

RGA: A FARSA CONSTITUCIONAL DO TCE/MT COMO PODER MODERADOR


O Tribunal de Contas de Mato Grosso tal como o Poder Moderador sancionou um decreto com força de Lei, pois só um ato com força de Lei poderia revogar os efeitos de uma outra Lei, nesse caso a Lei Estadual nº 10.572/2017 que estabeleceu a Revisão Geral Anual dos servidores públicos de Mato Grosso.

O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso comete abuso de poder ao se arvorar do poder jurisdicional de embora não declarar expressamente a inconstitucionalidade de lei do poder público, mas afastar sua incidência, mesmo que em parte, sobretudo, sem qualquer comunicado a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

Temos ainda que o Tribunal de Contas então se fez como Poder Moderador, pois a  Constituição Federal Imperial de 25 de março de 1.824 tem como base a Constituição Francesa de 1.814, e teve como características principais o caráter unitário do Estado, o municipalismo, e uma separação dos poderes mitigada pelo quarto poder, o poder moderador, este inspirado nas teorizações de Benjamin Constant[1], como bem leciona Paulo Ferreira da Cunha[2].

É no título III, que o artigo 10 faz a previsão da forma da divisão das funções do Poder, dispondo com esta redação: os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brazil são quatro: o Poder Legislador, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial. Esta seria a marca na historiografia mundial da única concreta tetra-repartição das funções do Poder.
O Poder Moderador seria a base de toda a organização política, exercido pelo Imperador como Chefe Supremo da Nação, tendo como fim teórico a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos, como detona do artigo 98 e 99[3].Entre as competências estabelecidas ao Poder Moderador que retratam bem a intangibilidade, temos os seguintes incisos do artigo 101: “ III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.”

Em ato iniciado denominado regimentalmente de Representação Interna, o TCE/MT realizou não um inquérito, inspeção ou auditoria, de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional o patrimonial, em unidade administrativa do Poder Executivo – conforme descreve o inciso IV do artigo 47, mas sim a sustação de Lei aprovada pela Assembleia Legislativa sem ao menos comunica-la formalmente dentro do processo que tramita tal sustação.

A decisão gera um novo superpoder dentro da estrutura republicana do Estado Democrático de Direito, um Tribunal que: 1º) pode por iniciativa própria sustar Lei iniciada pelo Poder Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo; 2º) tal decisão de sustação não é passível de sofrer reavaliação por meio da aplicação do princípio do segundo grau de jurisdição, a interesse do afetado ou de terceiro interessado; 3º) tal poder não é controlado via freio ou contrapeso por nenhum outro, já que o Tribunal sequer comunicou o Poder ao qual está vinculado como auxiliar.
É a criação de uma jurisdição sem respeito ao princípio da inércia, irrecorrível e sem qualquer freio ou contrapeso. Estamos a rumar para que o Poder Moderador seja novamente instalado no seio da modernidade brasileira, em que este transmuda o interesse do Banco Mundial de negociação da dívida pública dolarizada em legitimação para sustação de uma Lei constitucionalmente aprovada.

Não há qualquer autorização constitucional ou jurisprudencial que afirme a competência de um Tribunal de Contas poder afastar a incidência de uma Lei baseando-se em outra Lei para tanto. Nula é a decisão que sem previsão constitucional assevera um poder que até então que todos desconheciam: o povo não sabia, os representantes deste no parlamento não sabiam, o Chefe do Poder Executivo também não sabia, e, sobretudo, os constituintes originários não previam a volta do Poder Moderador.

A história se repete, primeiro como a tragédia autoritária do Poder Moderador na Constituição de 1824, agora como farsa constitucional do poder moderador do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

Bruno Boaventura.
Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social.


[1] O “lê pouvoir royal” de Benjamim Constant era teorizado como mecanismo de regulação do equilibrio entre os demais poderes, senão vejamos: “A constitutional monarchy hás the great advantage of creating a “neutral power” in the hands of the King; this power is to be used to maintain harmony between the other three branches of government. The legislative, executive, and judicial powers need to co-operate, each taking part in its own way in the general operations of government, but if instead they are at cross purposes then King must step in to restore harmony.” In: VILE, M.J.C. Constitutionalism and the separation of powers. 2ª ed. Indianapolis: Liberty fund, 1998. p.225.

[2] CUNHA, Paulo Ferreira. Do Constitucionalismo Brasileiro: uma introdução histórica (1824 – 1988). Historia Constitucional (revista electrónica), n. 8, 2007. Disponível em: http://hc.rediris.es/08/index.html. Acessado em: 12 de janeiro de 2.008. Paulo Bonavides ressalta a possibilidade da criação de Benjamim Constant ter sido inspirada num publicista, Clermont Ferrand, do século XVIII. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. SP: Malheiros, 2008. p.70.
[3] “Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.  Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.”

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