sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A ideologia do lucro – Parte I.

A cada tempo e espaço a racionalidade ganha um novo embate, e o principal palco desta batalha é o Estado como pré-concebido meio de institucionalização de interesses particulares em interesses públicos. Assim a cada momento histórico as concepções do Estado representam o próprio debate, ora o foco é Deus, ora uma razão natural, ora uma razão positivista, ora a justiça do poder, ora o poder da justiça, e agora chegamos ao momento limite da concepção da racionalidade como a do Mercado.
Esta última racionalidade foi construída pela conjugação da analise econômica das ciências humanas, universalizando as relações sociais com fetiches reificadores como o ótimo de Pareto, com uma possibilidade de diminuição dos custos do mercado advindos da interferência estatal, principalmente ligadas à concorrência comercial. Seria assim a retomada do espírito do comércio de Benjamim Constant (pacifismo mercantil) como o espírito do Estado, mas tudo não passando de mais um instrumento de puro atendimento aos princípios mercadológicos. Não é somente uma questão de atender ao mercado, mas sim que o atendimento dos interesses que não são mais ditos como públicos, mas assumidamente privados, sejam feitos com base nos princípios que regem o mercado. A falta de liberdade como justificativa para assegurar a própria liberdade já foi usada, mas chegamos ao ponto de ponderarmos a liberdade não mais como um valor humano, mas sim como um valor meramente monetário. A lógica mudou de todo custo deve estar previsto para todo custo somente é justificado acaso o benefício seja lucrativamente maior que o próprio custo. Tudo não passa de um investimento financeiro, relegando ao segundo plano os ganhos do investimento social ou ambiental. A lógica antes era todo o não benefício social deveria ser justificado, agora é todo o custo financeiro não lucrativo deve ser justificado.
Bruno J.R. Boaventura

RÁDIO COMUNITÁRIA: UMA LUTA DE TODOS PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

As Rádios Comunitárias surgiram juridicamente com o advento da Constituição Cidadã de 1.988, proliferam-se nas cidades há pouco tempo emancipadas e nos pequenos bairros das médias e grandes cidades. Operam em FM e com baixa potência (25 Watts). As Rádios Comunitárias são veículos de comunicações úteis àqueles que moram em comunidades afastadas. As associações ou fundações comunitárias pleiteantes são de caráter civis, não partidárias, democráticas e sem fins lucrativos.
A Radiodifusão comunitária é um importante instrumento da população local para o incentivo do desenvolvimento regional, seja cultural, econômico, desportivo, e tantos outros. O âmbito da prestação de seu serviço, indubitavelmente, está inserido na erradicação da marginalização da população menos favorecida da comunidade atingida e, ainda, na tentativa de reduzir os abismos das desigualdades sociais.
O primeiro passo para montagem de uma Rádio Comunitária é a fundação da respectiva associação mantenedora, com o respectivo registro em cartório. Após este temos os seguintes passos: a) Protocolo da manifestação de interesse no Ministério; b) Aguardar a publicação do Aviso de Habilitação para a localidade; c) Angariar manifestações de apoio de pessoas jurídicas e pessoas físicas.
O grande problema a ser enfrentado por aquele que gostaria de se comunicar via Rádio Comunitária é que a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL combate ferozmente as rádios não outorgadas, inclusive com a apreensão inconstitucional dos equipamentos por não haver ordem de um juiz para tanto, como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal. E também que o Ministério das Comunicações, através de um processo desproporcionalmente moroso e burocraticamente complicado, não permite que a rádios comunitárias sejam regularizadas.
O número de 40.000 (quarenta mil) processos administrativos sem qualquer analise é evidenciado no Relatório Final do Grupo de Trabalho de Radiodifusão Comunitária, formado por especialistas das áreas englobadas pelo assunto, criado para propor medidas de “saneamento” e “transparência” do procedimento de analise dos pedidos de autorização.[1]
A morosidade administrativa nasceu, desenvolveu e evoluiu para omissão administrativa. A lógica para o atraso das analises é puramente por fator político. Seria ingênuo trilhar por outro caminho. Os lobbies das grandes emissoras de rádio, através principalmente da Associação Brasileira de Rádio e Televisão – ABERT que conta com as principais redes como associadas, interferem decisivamente na atuação do Poder Executivo, através do Ministério das Comunicações. A dança das cadeiras do chefe deste órgão obedece ao conglomerado representativo dos interesses econômico-midiáticos. As Rádios Comunitárias representam a democratização dos meios de comunicação em contra ponto aos oligopólios das grandes Redes.
Assim sendo esta morosidade perpetua constitui o Ministério das Comunicações em um verdadeiro Ministério da Incomunicabilidade Democrática. O Contemporâneo Direito a Comunicação é protegido pelos incisos IV, e IX do artigo 5º, pelo artigo 215, pelo artigo 220, todos da Constituição Federal, e também na ordem internacional pelo artigo 13 do Pacto San José da Costa Rica, tratado internacional o qual o Brasil é signatário.
A problematização sobre o direito a comunicação traz alume o revestress da situação pretendida: a mercantilização da própria informação, e, de seu meio de propagação. Dispor a informação como produto é a essência do modo de produção capitalista, é parte da chama indústria cultural, tratada por Cristiano Aguiar Lopes[2].
O processo de concentração causa grandes preocupações no que concerne à diversidade e pluralidade de informações . Afinal, a conseqüência mais lógica de um menor número de fontes de propagação de comunicação é justamente a diminuição de possibilidades de abordagens sobre os fatos, o que termina por colocar em risco a existência de democracia.
As rádios comunitárias representam a possibilidade do povo falar diretamente com o povo pelas ondas do rádio. A linguagem familiar com a abordagem de assuntos que são pertinentes da comunidade, e ainda a abertura de todos falarem abertamente fazem com que as Rádios Comunitárias sejam o principal instrumento de democratização da comunicação. Democratizar a comunicação é possibilitar que todos os problemas sociais da comunidade sejam abertamente discutidos, fazendo com que suas soluções sejam mais facilmente encontradas. Não poderia deixar de prestar uma homenagem a força atuante da luta do movimento pelas rádios comunitárias no Mato Grosso, o Sindicato das Associações das Rádios Comunitárias de Mato Grosso – SINDARC (www.sindarcmt.org.br), que inclusive através de sua Diretoria, liderada pelo guerreiro de anos a fio Moizes Franz tem contribuído significativamente para a democratização da comunicação pelo apoio das Rádios Comunitárias. O Fórum Estadual de Democratização da Comunicação – FEDC, recém constituído, por ser formado principalmente de jornalistas das grandes redes de comunicação do Estado, ainda tem que comprovar com ações concretas a sua independência para angariar legitimidade também na defesa das rádios comunitárias.
As Rádios Comunitárias, que tanto são chamadas de piratas, são feitas por pessoas que buscam exclusivamente a comunicação popular. Estas pessoas longe de terem olhos de vidro e perna de pau representam o povo querendo ter voz e dar ouvido às mensagens comunitárias. As Rádios Comunitárias, independentemente do tido que adotam, sejam religiosa, política, mini-comercial, ou as verdadeiras comunitárias trazem para si a diminuição da distância daquele que fala e ouve, fazendo com que esta luta seja de todos, pois falar e/ou ouvir aquilo que nos verdadeiramente interessa é o sentido de fundo das Rádios Comunitárias. O espectro eletromagnético que propaga as ondas do rádio, ou seja, o ar, não pode ser objeto de loteamento, à todos pertence.
Piratas são aqueles que saqueiam este patrimônio do povo e enterram o tesouro de uma nação em uma ilha particular, e quem tem o mapa são os políticos ávidos para que os radioamantes naveguem em seus barcos furados. As rádios comunitárias são a fronteira da luta pela democratização da comunicação, uma luta que deveria ser feita por todos, pois é pela facilidade de nos comunicarmos que poderemos entender o que é melhor para a nossa comunidade. Liberdade à manifestação de pensamento, força às Rádios Comunitárias!
Bruno José Ricci Boaventura
[1] “A Portaria nº 83, de 24 de março de 2003, fundamentou a criação do GT na constatação das dificuldades surgidas no Ministério das Comunicações com a "tramitação na Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica deste Ministério de dezessete mil processos, dos quais quatro mil e quatrocentos referentes a requerimentos para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária". A Portaria também reconheceu que os problemas deveriam aumentar, pois "com a extinção das Delegacias do Ministério das Comunicações nos Estados quarenta mil outros processos ativos referentes a serviços de radiodifusão serão transferidos para Brasília.”

[2] “No caso das comunicações, esse processo é mais bem detalhado pelo conceito de .indústria cultural. cunhado pela Escola de Frankfurt . mais precisamente, por Adorno e Horkheimer. De maneira sucinta, de acordo com a teoria crítica, essa indústria significa o consumo estético massificado, no qual a produção dos bens culturais e intelectuais é orientada de acordo com a possibilidade de sua comercialização no mercado.” In: Política Pública de Radiodifusão Comunitária no Brasil – Exclusão como estratégia de Contra-Reforma. UNB. p.27.

Cadê a minha paixão?

Me lembro que é desde do tempo de menino que esperançosamente desejo que uma paixão arrebate meu coração me levando a explodir no estádio Verdão. A nossa paixão cultural é o futebol. É no momento do extravaso da torcida apaixonada pelo seu time em um estádio que a consciência coletiva brasileira tem a mais pura representação de nossa cultura.

No estádio lotado é que o povo se iguala, se identificando como grupo de amigos, como torcedores de um mesmo time, como massa e finalmente como gente que pode sentir a mesma paixão: um time de futebol. É cantando o grito de ordem de seu time, vestindo a camisa, identificando sua paixão em outros apaixonados que o brasileiro se liberta das diferenças. É na arquibancada cheia que o pobre e o rico são um só, todos são igualados como uma massa de torcedores. É no estádio lotado que o indivíduo torna-se ao mesmo tempo nada e tudo, é lá que a individualidade não pode ser enxergada senão como parte de uma massa coesa na vontade de apaixonadamente torcer, e ao mesmo tempo, cada qual, a sua própria maneira, pode sofrer.

Mas isto nos foi tolhido, e eu me pergunto por que quase todos os outros Estados da Federação possui organização suficiente para que lhe oferecer esta oportunidade, e o Estado de Mato Grosso não? Seria em razão de os torcedores mato-grossenses não serem tão apaixonados quanto os outros brasileiros. Seria então por que os cuiabanos preferem ver os jogados da televisão, e são poucos chegados a um estádio. Ora tenhamos dó de quem pensa assim, pois somos brasileiros e como tais somos culturalmente levados a escolher um time de coração, a sonharmos em sermos jogadores de futebol, a nos agregarmos em torno de uma partida de futebol e a nos identificarmos como integrantes de um pensamento coletivo vislumbrante: a massa em um estádio de futebol lotado.

Não é só da arte do jogo bem jogado que o futebol vive, é também do espetáculo da capacidade individual humana em se organizar minuciosamente para extravasar uma paixão comum como torcedor. Meu tempo de menino passou, e ainda retenho a minha paixão, por mais que eu queira ainda não comprei a camisa do meu time de Mato Grosso. Acredito que é a timidez que me impede de revelar acintosamente a minha paixão. A timidez provocada pela falta de chance de me sentir livre do peso da minha escolha tão culturalmente forte como a de torcer por um time, e a de minha frustração infantil em não ser um jogador de futebol profissional. È em meio a massa de um estádio lotado que poderia me tornar um entre milhares, que poderia me igualar com todos que torcem e sentem como eu, que poderia enfim, encontrar-me com a minha paixão.
Bruno J.R. Boaventura

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ano novo, filosofia de vida nova

Sejamos todos bem vindos ao oitavo ano do terceiro milênio da era cristã no ocidente, estamos rumando para o fim desta primeira década. Ano novo, e ao que me parece, os ventos anunciam uma nova filosofia de vida, é a bio-humanização.
Assim como a onda sempre chega à praia, hoje é o tempo da chegada da reflexão do nosso modo de vida. A nossa, até aqui, insistência em querer nos superiorizar diante da natureza está perdendo adeptos, a arrogância de achar que as obras humanas são incomparáveis às obras da natureza está se findando. Deparamos-nos com o ponto de nossa história em que tomamos a consciência da finitude de nossa espécie ante a um já degustado esgotamento global da nutrição das atuais condições de nossas vidas.
Há em curso uma antro-descentralização, na qual o homem é ainda visto como a mais sublime, mas também como mais uma obra da natureza - e por isso deve todo o respeito à ela.
Não seria ingratidão dar vida e totais condições de desenvolvimento a um filho, e no final não recebermos o reconhecimento de que as existências dos pais e do filho se somaram naturalmente na construção do novo individuo?
Não somos arrogantes ao ponto de venerarmos a beleza de um edifico piramidal construído no meio do deserto por mais de 3.000 anos e ignorarmos a beleza da forma de vida de um pinheiro bristlecone que possui 5.000 anos? Não somos arrogantes em crermos que nossas orações fazem o destino da natureza, sabendo que não tem crença humana capaz de lhe determinar?
Enfim não somos arrogantes ao ponto de que nossa auto-imagem ainda seja o nosso símbolo favorito de veneração e fazermos da natureza como um todo algo subordinado a nossa vontade?
Sejamos humildes, reconhecendo que somos seres da natureza para que possamos parar de dejetar ações desagradáveis na natureza e que a degrabilidade de nosso desejar faça as vezes da reflexão de nosso envolvimento com a natureza. Afinal nosso dedão, cérebro e linguagem articulados, adaptações inerentes a nossa diferenciação como espécie, são frutos reflexivos da naturalidade desta relação.