segunda-feira, 31 de maio de 2010

A massa.

Leitor, um pouco de imaginação e consideração pelo escrito é o que peço. Sem babaquices, faça a vontade de assistir a Copa do Mundo da África do Sul um canal para uma reflexão sobre o que é a massa, mais do que nunca um produto da condição social da vida humana.
Você, após acompanhar e discutir intensamente a escalação, até mesmo com pessoas completamente estranhas ao seu convívio, está vestido patrioticamente com a camisa amarela da Seleção Brasileira de Futebol. Original da Nike ou falsificada não importa, você está feliz, gosta de futebol, ainda mais quando é Copa do Mundo. Mais do que simples torcer por futebol, após 4 anos, é neste momento de vestir-lá que sente o orgulho de ser da torcida da potência mundial do futebol. Reúne a família, os amigos, e até mesmo vai à rua, não só torcer, mas fazer parte de algo muito maior: um sentimento ingênuo e gentil de querer a vitória pelo bem da felicidade do povo brasileiro.
Acontece que você é um dos privilegiados, após enfrentar a fila, que não é algo exclusivo da “cultura” brasileira, mas de todos os massificados centros urbanos, você está adentrando ao estádio Ellis Park em um dos mais violentos bairros da capital Johanesburg.
Os lugares não são marcados, e você é o primeiro a chegar. Depois de refletir sobre o melhor ângulo de visão, você senta ao centro, perpendicular a linha do meio do campo. Você determina consigo, é este o melhor lugar, e ele é meu. Mesmo diante desta certeza, você sabe que nada adianta o melhor lugar, se não houver jogo, se não houver outros torcedores. Ao encarar este vazio, a solidão lhe ressalta a grandeza do estádio, os sons do vento, os detalhes da construção, e por fim o desejo de que outras pessoas estivessem ali.
Aos poucos, outros torcedores brasileiros vão chegando. Em pequenos grupos, eles não se assentam ao seu lado, como você pensou que o fariam, afinal obviamente ao lado do seu seria o melhor lugar. Eles preferem outras cadeiras, pois acreditam também que existe um espaço na imensidão do estádio que é deles.
Por mais que sejam diferentes em suas complexas características, surpreendentemente os grupos trazem consigo uma simplicidade convergente: a alegria desenfreada de esperançosamente saírem mais felizes do que entraram.
Aquilo que eram grupos distantes ganha uma nova forma. Os sentimentos ansiosos lhe tomam o fôlego e explodem em alguns ainda esporádicos gritos de torcida. Você, pacato cidadão mato-grossense, pouco acostumado a estádios lotados, e sempre tímido em suas manifestações, começa achar confortável a idéia de também gritar, afinal todos também gritarão. Mas existem grupos, e cada qual com a sua palavra de ordem, você não sabe qual acompanhar.
É neste momento, que algumas vuvuzelas africanas começam a trombetear, e organizadamente surge um grupo grande de torcedores liderados por homem de desprezível personalidade que iniciam um grito incapaz de desacompanhar. Não porque as palavras são patrióticas, bonitas ou algo parecido, mas porque são simples, e todos, invariavelmente, todos ao seu lado estão cantando.
Você, agora, sente que o conforto de também gritar é ainda maior ao pensar que aquilo pode impulsionar a sua Seleção à vitória, pode colocar um sentido no emblema das cinco estrelas que palpita com o seu coração, pode lhe preencher o vazio e te dar por alguns instantes a certeza que você faz parte de algo muito maior do que os conflitos da sua individualidade.
Bem vindo, você se tornou a pequena parte de uma massa. Nada profundamente lhe interessa, mas somente tornar algo que por natureza você não é: grande, coeso, pouco pensativo, euforicamente emotivo e invariavelmente controlável.
É só reler o texto, por fim, você lúcido de todos os seus princípios, deixou se tornar algo que individualmente você não aceitaria, pois: a) mesmo sem realmente refletir sobre o que levou a conversar com pessoas estranhas ao seu convívio sobre futebol e não sobre outro assunto de maior importância; b) mesmo torcendo por ela, não foi capaz de observar o sentido real do que vem a ser uma pátria; c) mesmo vestindo a camisa da seleção brasileira sem incutir a valorização de um símbolo nacional através de um produto com marca estrangeira; d) mesmo vivendo cotidianamente com tal disparate não importa em ser apenas uma potência mundial do futebol e da desigualdade social; e) mesmo sabendo que o lugar natural do povo é a rua, você vai a rua sendo algo que parece sempre desconfortável, e somente para torcer para algo quilometricamente distante a sua realidade; f) mesmo sendo brasileiro e amar o seu país certamente pouco pensa o Brasil como nação a não ser na Copa do Mundo; g) mesmo vivendo com a pobreza de tantos e sabendo de que a vitória da seleção de nada modifica a condição de vida dos brasileiros, você realmente acredita nas benesses sociais da felicidade instantânea de ganhar a Copa do Mundo; h) mesmo ignorando todos os demais excluídos e se importando apenas com o seu privilégio de ser o escolhido para ir ao estádio; i) mesmo sendo fruto, pouco quer saber o que é a relação da cultura brasileira com as enormes filas; j) mesmo visto com os seus próprios olhos faz pouco caso da pobreza do bairro em relação a riqueza do estádio; l) mesmo sabendo que nunca estará sozinho, você pensa somente naquilo que é o melhor lugar para você; m) mesmo sendo provisoriamente o lugar que lhe assenta é dito como seu; n) mesmo sabendo sendo um individuo no vazio sempre acredita que os outros lhe seguirão por tido a melhor opção; o) mesmo sempre querendo um lugar para chamar de seu, esquece que os outros assim também o farão; p) mesmo sabendo da natureza coletiva do homem se surpreende quando tal se manifesta. q) mesmo tendo a certeza de que isso acontecerá, você permite que os seus sentimentos indecifráveis vençam as razões maduras; r) mesmo sabendo que a cultura africana é muito maior do que uma simples vuvuzela, você pouco procura pensar sobre isso s) mesmo que despreze o líder que lhes é apresentado, você o seguirá se os outros assim o fizerem; t) mesmo não minimamente refletindo sobre o que pensam, se todas as pessoas ao seu lado se manifestarem de alguma forma, você as seguirá; u) mesmo sendo um conforto momentâneo mas marcante, o sentimento da massa é incrivelmente mais satisfatório do que a permanente condição individual;
Enfim, você, individuo do século XXI, tem as suas próprias características de se tornar algo que na sua pequenez individual sabe que não é, mas ao mesmo tempo lhe fazem ter a certeza em alguma grandeza coletiva de pensar que você é. Você tem os seus caminhos, que possibilitam lhe tornar parte da massa.
Você não se tornou, desculpe, você soube da condição, mais do que nunca, de ser um produto na vida humana, o de ser parte de uma massa manipulável.
Bruno J.R. Boaventura

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A Ordem e a greve

Pela Ordem, presidente! Pela ordem, presidente! Esta foi a entoada de meu berrante no dia 29.04.10, ante a impossibilidade da fala, ante a intransigência da autoridade, ante o receio da livre manifestação. Para conseguir falar na minha Casa, a OAB/MT, a casa de todos os advogados, a sede de minha entidade, foi necessário gritar para o romper da mudez na tentativa de fazer ver aquilo que era óbvio: um seminário, uma mesa de honrosos, uma plenária de aplausos, e o começo do fim da maior crise do Poder Judiciário Mato-grossense.Para minha surpresa, não o nosso presidente da OAB/MT que respondeu ao chamado na mesa, este permaneceu mudo como um boneco que espera pelo manuseio de seu ventríloquo. A resposta parte do sempre Presidente da OAB/MT que na condição de coordenador-geral-da-mesa-de-trabalho-para-o-fim-da-crise vociferou: "é proibido falar, quem tem algo a perguntar, favor escrever no bilhetinho que eu com minha toga de barão da OAB/MT julgarei quais serão as perguntas permitidas a serem feitas". Não é para isso que honradamente pago minha anuidade, e nem por isso que sou advogado. Não é para ser cerceado do direito de falar em minha Casa. Não é para ter a fome e a sede de justiça aplacada com barro. Não é para usurparem da representatividade da minha classe. Não é para fazer dos advogados, os desertores da luta pela Justiça.Falem, escutem, façam, escrevam, mas saibam que sobre a postura da OAB/MT nesta crise deveria pairar uma só conduta: a cobrança daquilo que é justo, mesmo que perante a própria Justiça.Eu pergunto à todos: é justo, neste momento de novos rumos construídos com o CNJ, termos a OAB/MT defendendo que nunca houve investigação da venda de sentenças pela Delegacia Fazendária, Gaeco, Corregedoria Geral de Justiça e STJ? Que nada, a entidade pode fazer para com estes lobistas que participavam destas vendas? Caros, o que tenho é a certeza de que não é justo que nossa classe não caminhe de mãos dadas com os servidores e servidoras, e faça nossa esta linda luta por melhores condições não só de trabalho, mas de melhores condições de fazer a Justiça acontecer.Não há escusas que possam justificar o fato de que a OAB/MT prefira estar em condições refrescantes e acomodadas no gabinete do Presidente do TJ/MT do que ombrear com os servidores por aquilo que todos sabem que é de direito: mais do que legitimamente receber verbas alimentares, mas ser igualmente tratado.Saia ao Sol, presidente da OAB/MT! Gaste a sola de nossos sapatos!Devemos ter a clareza que a crise é um fenômeno endêmico, que atrapalha à todos: os servidores, juízes, promotores, procuradores, defensores e advogados. Muito mais do que condenação das condutas impróprias pelo CNJ, como os 11 magistrados aposentados compulsoriamente, reivindicamos que a OAB/MT lute enfaticamente por uma melhora na estrutura do Poder Judiciário como um todo.
A luta é por mais servidores efetivos, por juízes titulares em todas as varas, por espaços físicos adequados, ou seja, é por respeito ao profissional militante e ao cidadão jurisdicionado. A história é prova que nada disso será construído com a cabeça abaixada, o coração fraquejante, e a voz a tubetiar.
Faça, presidente, a real vontade dos advogados, a sua. Lembre o que a Ordem foi capaz de fazer quando a Prefeitura tentou soterrar o princípio constitucional da quarentena quando da nomeação do desembargador aposentado como procurador. Isto é feito, isto a história terá como a sua gestão. Nos lidere, presidente!
Não vacile. A representatividade dos advogados e advogadas em MT deve ser respeitada por sua essência constitucional: administradora da Justiça, peticionara do Justo, e defensora do Direito.
BRUNO J. R. BOAVENTURA é advogado em Cuiabá.www.bboaventura.blogspot.com