terça-feira, 6 de março de 2018

O pagamento de 1% sobre o valor das consignações pelos Sindicatos é ilegal e inconstitucional.



Temos que ainda, preliminarmente, asseverar de que os incisos II e V do artigo 66 da Constituição do Estado de Mato Grosso[2].
Formalmente, temos assim de que o Decreto n.º 691/16 deveria descrever o procedimento para fiel execução de uma lei ou dispor exclusivamente sobre a organização e funcionamento da Administração, e ainda, na forma anterior que estabelece a Lei.

A Lei em questão seria a Lei Complementar n.º 172/04 que reestrutura o Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal – FUNDESP e estabelece no artigo 3º quais seriam as receitas deste fundo público[3].

Baseando-se nos textos literais das normas, temos as seguintes premissas para efeito de proceder com o presente texto: 1ª) não há na LEI que reestrutura o Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal – FUNDESP a previsão de que haveria receita proveniente de porcentagem incidente sobre os valores consignados em folha de pagamento a favor de entidade sindical; 2ª) o fundo sendo público descarta a possibilidade de conceituação do valor cobrado como tarifa, já que não é adimplemento feito em benefício de particular; 3ª) será considerando o valor tributado proveniente de uma possível taxa, já que também não pode ser definido como imposto.

Inicialmente, se esclarece de que a consignação em folha de pagamento em favor de qualquer entidade sindical foi estabelecida pelo § 1° do artigo 65 da Lei Complementar n.º 04/90[4].

Em virtude da ratificação da Convenção Relativa as relações de trabalho na função pública, 1978, a de número 151, foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio brasileiro, a proteção quanto ao ato da Administração Pública em intentar prejudicar a atividade de organização sindical, sobretudo em ato de ingerência que afete a sustentabilidade econômica[5].
Não está se afirmar de que esse 1% comprometeria as finanças do sindicato, mas que a cobrança existindo poderia ser majorada até que haja repercussão financeira para tanto.

A Constituição Federal dispõe que no artigo 145 de que as taxas podem ser cobradas quando da utilização de serviço público, conforme o inciso II[6].
A Constituição do Estado de Mato Grosso no artigo 150, inciso I, define de que não há possibilidade de tributo, inclusive taxa, sem que lei anteriormente estabeleça[7].


Temos assim, que no caso em questão não se tratando de hipótese de exceção da aplicação do princípio da legalidade tributária, é de ser aplicado o que determinam os artigos 5º e 9º do Código Tributário Nacional[8].

Já o denominado Código Tributário Estadual instituído pela Lei 2.731/66 define que a possibilidade de cobrança de taxa de serviços estaduais, conforme os incisos I e II do artigo 5º[9].

Os artigos 171 e 173 fazem previsão de que os serviços estaduais sujeitos a cobrança de taxa estariam exaustivamente previstos[10].

No anexo II do CTE não há também qualquer menção de taxa a ser cobrada por consignação em folha de pagamento realizada por entidade sindical.

A Lei número 4.587/82 que dispõe sobre o Sistema Tributário Estadual o processo administrativo tributário e dá outras providências, com o mesmo conteúdo do CTE, também define que as taxas de serviços estaduais estariam previstas em rol do regulamento próprio, conforme os artigos 2º e 90[11].

O Decreto 2129/86 que aprova o Regulamento do Sistema Tributário Estadual, instituído pela Lei nº 4.547, de 27.12.82, define também no artigo 405 por expressa previsão todos os fatos geradores de pagamento de taxas[12]. Nem destes se pode identificar algo que diga a respeito de consignação em folha de pagamento em favor de entidade sindical.

Existe a previsão de que o registro de “de documento e papéis nas repartições estaduais, a requerimento da parte interessada” seria taxado, e da probabilidade de que o registro de consignação na folha de pagamento em benefício de entidade sindical seria definido como tal. Porém não temos de que tal valor não seria o mesmo estipulado no Decreto 691/16, e principalmente, de que a pessoa jurídica de direito privado definida como Administradora é à quem cabe realizar o serviço de processamento da consignação não é a beneficiária do pagamento da suposta taxa, conforme o artigo 11 do Decreto 691/16[13]. Assim sendo, não há contraprestação útil do Estado para que o mesmo seja beneficiário de taxa, conforme leitura decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a seguir tratadas.


Em específico, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso estabelece que mesmo a previsão em LEI de criação de taxa, deve haver o que se conceituou como “contraprestação útil por parte do Estado”: ReeNec 148830/2015, DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 02/10/2017, Publicado no DJE 10/10/2017); (ADI 51410/2015, DES. GUIOMAR TEODORO BORGES, TRIBUNAL PLENO, Julgado em 25/02/2016, Publicado no DJE 04/03/2016).”
Tem-se como apontamentos conclusivos:  1º) não há na LEI que reestrutura o Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal – FUNDESP a previsão de que haveria receita proveniente de porcentagem incidente sobre os valores consignados em folha de pagamento a favor de entidade sindical; 2º) o fundo sendo público descarta a possibilidade de conceituação do valor cobrado como tarifa, já que não é adimplemento feito em benefício de particular; 3º) será considerando o valor tributado proveniente de uma possível taxa, já que também não pode ser definido como imposto; 4º) pela simples leitura dos textos legais existentes se pode chegar à conclusão de que não há qualquer previsão em LEI quanto ao pagamento de taxa de serviço estadual por entidade sindical quando o registro em folha de pagamento de consignação em seu favor pela Administração Pública, mas apenas e tão somente em DECRETO; 5º) o princípio da reserva legal foi afrontado, sendo assim, é possível a declaração de ilegalidade e da inconstitucionalidade da alínea B do inciso III do artigo § 1º do Decreto n.º 691/2016. Existe uma ampla gama de decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso sobre a procedência da alegação da necessidade de observância de tal preceito constitucional; 6º) existe a previsão legal de que o registro de “de documento e papéis nas repartições estaduais, a requerimento da parte interessada” seria taxado, e da probabilidade de que o registro de consignação na folha de pagamento em benefício de entidade sindical seria definido como tal. Porém não temos de que tal valor não seria o mesmo estipulado no Decreto 691/16, e principalmente, de que a pessoa jurídica de direito privado definida como Administradora é à quem cabe realizar o serviço de processamento da consignação não é a beneficiária do pagamento da suposta taxa, conforme o artigo 11 do Decreto 691/16. Assim sendo, não há contraprestação útil do Estado para que o mesmo seja beneficiário de taxa, conforme leitura decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Bruno Boaventura
Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social pela UFMT. Blog: www.bboaventura.blogspot.com. Youtube: Boaventuraadv. Facebook: https://www.facebook.com/Boaventuraadv/ Site: https://boaventuraadv.com.br


[1] “DECRETO Nº 691, DE 12 DE SETEMBRO DE 2016. Disciplina as consignações em folha de pagamento no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, e dá outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 66, incisos III e V, da Constituição Estadual, tendo em vista o que consta no Processo nº 400753/2016, e  (...) Art. 21 O repasse das consignações será efetuado no vigésimo dia subsequente ao término do pagamento da respectiva folha. § 1º No ato do repasse dos valores relativos às consignações, será descontado do montante consignado o percentual destinado ao Fundo de Desenvolvimento do Sistema de Pessoal - FUNDESP, da seguinte forma: I - 5% (cinco por cento) do montante consignado para as seguintes Consignatárias, nos termos da Lei Complementar nº 221/2005: a) entidades de previdência privada; b) seguradoras do ramo de vida. II - 3% (três por cento) do montante consignado para as seguintes Consignatárias: a) entidades de classe, exceto na modalidade mensalidade; b) cooperativas; c) instituições financeiras; d) entidades administradoras de cartão de crédito.  III - 1% (um por cento) do montante consignado para as seguintes Consignatárias, na modalidade mensalidade: a) associação; b) sindicato.”

[2] “Art. 66 Compete privativamente ao Governador do Estado: (...) II - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (...) IV - dispor sobre a organização e funcionamento da Administração do Estado, na forma da lei; (Grifos nossos).”

[3] Art. 3º Constituirão receita do FUNDESP:
I - recolhimento mensal, na base de 5% (cinco por cento) do total das consignações em folha de pagamento, em favor das companhias de seguros e de entidades de previdência privada;
II - dotações orçamentárias próprias;
III - subvenções e transferências de órgãos municipais, estaduais, regionais e federais;
IV - receitas oriundas de taxas de inscrição em concursos;
V - receitas oriundas de taxas de reprodução de documentos que compõem o acervo do arquivo público de Mato Grosso;
VI - receitas oriundas de promoções dinamizadoras na área de pessoal;
VII - receitas oriundas dos descontos de faltas injustificadas no serviço público;
VIII - alienação de papéis e mobiliários inservíveis;
IX - transferências à conta do orçamento do Estado;
X - doações de pessoas jurídicas de direito público e privado, nacionais ou internacionais;
XI - rendas provenientes da aplicação de recursos;
XII - receitas decorrentes de locação de imóveis públicos;
XIII - receitas decorrentes de convênios ou acordos de cooperação financeira com entidades públicas ou privadas.”

[4] Art. 65 Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento.
§ 1° Mediante autorização do servidor poderá haver consignação em folha de pagamento a favor de terceiros, ou seja, instituições de previdências, associações, sindicatos, pecúlio, seguros e os demais na forma definida em regulamento instituído pelas associações e sindicatos dos servidores.”

[5] “Art. 5 — 1. As organizações de empregados públicos gozarão de completa independência a respeito das autoridades públicas. 2. As organizações de empregados públicos gozarão de adequada proteção contra todo ato de ingerência de uma autoridade pública na sua constituição, funcionamento ou administração. 3. Serão considerados atos de ingerência para os efeitos deste artigo principalmente os destinados a fomentar a constituição de organizações de empregados públicos dominadas pela autoridade pública, ou a sustentar economicamente, ou de outra forma, organizações de empregados públicos com o objetivo de colocar estas organizações sob o controle da autoridade pública.”

[6] “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”

[7] “Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

[8] “Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;”

[9] “Artigo 5º - As taxas estaduais são as seguintes: I – Taxa Judiciária; II – Taxa de Serviços Estaduais.”

[10] “Artigo 171 – A Taxa de Serviços Estaduais tem como fatos geradores a realização dos atos e a prestação dos serviços constantes da Tabela, Anexo II, e será cobrada de acordo com os valores atribuídos as respectivas incidências.

Artigo 173 – Não são tributados com a Taxa de Serviços Estaduais os atos e serviços executados por repartições públicas ou estaduais que não estejam expressamente nominados em qualquer dos itens da Tabela, Anexo II.”

[11] Artigo 2º - São tributos de competência do Estado: I – Impostos: a) Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (I.C.M.) b) Sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos à Eles Relativos (I.T.B.I.); II – Taxas: a – De Serviços Estaduais; b – De Segurança Pública; c – Judiciária. (...) Artigo 90 – A Taxa de Serviços Estaduais é devida pela utilização efetiva ou potencial de serviços específicos e divisíveis prestados pelo Estado ou postos à disposição dos contribuintes, na forma estabelecida no Regulamento. § 1º A Taxa de Serviços Estaduais – TSE será exigida, inclusive, pela expedição, fornecimento e/ou processamento de documentos pela Fazenda Pública Estadual, nas seguintes hipóteses:
I – certidões relativas à existência ou não de débitos pertinentes a tributos estaduais ou outras certidões;
II – documento de arrecadação utilizado para recolhimento de tributos estaduais, bem como da contribuição ao Fundo Estadual de Transporte e Habitação – FETHAB; .(Declarada a Inconstitucionalidade da primeira parte do inc. II , do § 1º do art. 90, conforme decisão proferida na ADI nº 51410/2015, cujo acórdão está disponibilizado no DJ-e nº 9.728 de 03/03/2016)
III – documento fiscal.

[12] Art. 405 A Taxa de Serviços Estaduais incide sobre a realização dos atos e a prestação dos serviços constantes da Tabela, anexo V, e será cobrada de acordo com os valores atribuídos às respectivas incidências. § 1º A Taxa de Serviços Estaduais - TSE será exigida, inclusive, pela expedição, fornecimento e/ou processamento de documentos pela Fazenda Pública Estadual, nas seguintes hipóteses: (Acrescentado pelo Dec. 5.957/05) I - certidões relativas à existência ou não de débitos pertinentes a tributos estaduais ou outras certidões; II - documento de arrecadação utilizado para recolhimento de tributos estaduais, bem como da contribuição ao Fundo Estadual de Transporte e Habitação - FETHAB;
III - documento fiscal.

[13] Art. 11 É de responsabilidade da Administradora: I - manter atualizadas ferramentas para o processamento de dados, controle e gestão das consignações facultativas em folha de pagamento; II - realizar o cadastro e adesão do Consignante; III - realizar o controle e conciliação das parcelas consignadas; IV - realizar intercâmbio de dados e arquivos com as Consignatárias; V - disponibilizar ao Consignante informações gerenciais sobre as Consignações; VI - cadastrar diferentes perfis de acesso, a ser definido em norma complementar; VII - disponibilizar consulta das consignações contratadas; VIII - manter atualizadas informações sobre endereço e contato com as consignatárias; IX - disponibilizar consulta de margem; X - disponibilizar consulta de taxas de juros praticados pelos bancos para obtenção de empréstimos; XI - disponibilizar simulador de empréstimo e reserva de margem; XII - firmar contrato ou documento equivalente com as Consignatárias; XIII - observar a legislação pertinente no que se refere aos aspectos técnicos e à proteção da confidencialidade dos dados; XIV - dar suporte técnico e operacional e atendimento ao Consignante e Consignatárias