Escrevo estas palavras no calor do momento histórico da cassação de um parlamentar da Câmara Municipal de Cuiabá. O nome do parlamentar? Isto agora pouco importa, o que a história deve registrar são os bravos moralizadores da política cuiabana que comemoram esta vitória.
Após os oito mil litros de água gastos, que cada milímetro cúbico representava um cidadão indignado, um eleitor inconvicto com a política, enfim, um cuiabano revoltado, se deu início a uma enfadonha sessão da Câmara.
Estávamos lá, no local soberano, local aonde o povo se faz presente e que rege os interesses desta Cidade: não o plenário dos vereadores, mas a galeria lotada. Longos debates sobre a votação aberta ou fechada.
E por óbvio que a autonomia do município como ente federado representado pelos ditamos bem claros e específicos da Lei Orgânica e do Regimento Interno por nós modificado no mandato da eterna guerreira Verinha Araújo conquistou ressonância daqueles que gostariam de cometer mais um ato secreto espúrio ao interesse público.
A galeria lotada de cidadãos por inteiro, pessoas que acreditavam que a presença naquele momento poderia fazer a diferença, poderia pressionar os outros vereadores a não saírem do caminho da verdade, qual seja, a cassação era o que o povo queria. Suportar pedófilo, e agressor de mulher não faz parte do feitio de Cuiabá. A justiça estava trilhada, restava esperar por horas e horas, o momento em que poderia se cantar uma velha canção.
A defesa quis por quis achar brechas, mas em processo político de cassação a tecnicidade formal não pode ser encontrada. O que estava em jogo era saber se os atuais vereadores suportariam em suas costas a conceituação de decoro parlamentar como algo distinto de tratar bem o próximo, seja um travesti, a namorada e principalmente o respeito a opinião pública, que já evidenciava isto como algo inaceitável.
Os gritos da galeria, que somente eram interrompidos com a lembrança de que poderiam justificar uma interrupção da sessão por causa do barulho, soterraram todas as justificativas possíveis e imagináveis que um homem pode usar para crer que abusar sexualmente de um menor e bater em uma mulher são condutas aceitáveis pelos cuiabanos.
Os gritos se tornavam em alguns momentos palavras de ordem bem sincronizadas que pediam, que clamavam por justiça, por respeito, e por dignidade de Cuiabá. A cassação foi decretada, e logo tudo ficou lendo como em uma câmera lenta, e como em um despertar natural do espírito cidadão, o povo começou a cantar o Hino Nacional da República Federativa do Brasil.
As vozes se somaram juntas em um canto profético da cidadania. Toda aquela longa espera valeu a pena, pois o hino nacional foi cantado da forma mais retumbante possível, não em cerimônias formais, mas quando verdadeiramente vale a pena acreditar na pátria brasileira. Eram homens, mulheres e até crianças que se alimentaram da renovação da esperança.
Soarem as vozes como profecia a anunciar que logo, logo outra cassação virá e tornaremos Cuiabá à cidade dos que demonstram que acreditar no País e em suas instituições democráticas vale em alguns momentos muito, mais muito a pena por sermos sofredores desta barbárie institucional ainda convalescente.
BRUNO J. R. BOAVENTURA é advogado.
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