O impunível. Ato 2.
Prólogo: O silêncio então é quebrado com
o súbito coro de um homem só. Entoando palavras de esperança surgindo no meio
da plateia ao ritmo de um fundo musical clássico enquanto caminha em direção ao
palco.
Impunível! Saiba que o seu poder a mim
nada representa. Nada mais é do que a treliça emperrada de uma janela. Até
agora, aguentei calado toda a sua catilinária. Não mais esconderás a luz da Democracia!
Saiba que tantos como ti já enfrentei, e
se estou aqui livremente para falar é porque todos venci. Nessa luta, vive e
aprendi o que sou: um cidadão que vale por mil.
A metástase que maquiniza aos senhores é
sempre a mesma, como psicopatas sociais não percebem a consciência sendo
fratricida. São senhores do irracional. São seres desumanizados. Negam a
própria essência de sua espécie. Não há Sociedade em seu sentido de vida.
Refletem-se como engrenagens implacáveis,
mas o tempo lhes expõe como mera ferrugem. Para sua ambição, não há tanto vil
metal no mundo capaz de aplacar.
Achas mesmo que permitiria tornar-lhe
inimputável com aprovação da PEC 37? Tolice de quem não conhece a sua própria
circunstância. Sua arrogância o torna cego para o seu pior inimigo.
Quem sou eu ?
Aquele que lhe faz em dor à noite pelo sofrimento
enxergado de dia. Aquele que lhe faz em castigo pela intranqüilidade do seu
destino. Aquele que lhe faz em mentira pela verdadeira realidade. Eu sou o
miserável. Aquele que morre, de fome, violentado, ou oprimido sob a sua sombra
À igualdade, basta de tanta blasfêmia! Eu
sou o negro que é negada a raça, mas rompe com os grilhões da escravidão. O
índio que é negada a cultura, mas sobrevive ao genocídio. A mulher que é negado
o gênero, mas principia a feminilidade da vida. O agricultor que é negada a
terra, mas alimenta todos. O jovem que é negada a oportunidade, mas torna a rua
um espaço público. A criança que é negada a comida, mas sonha com um futuro. O
idoso que é negada a vida, mas não se arrepende do passado. A nação que é
negada a identidade, mas se faz brasileira tal como latina- americana.
Eu sou o escravo do tempo de sempre. Eu
sou o servo da modernidade. Aquele que trabalha, trabalha, até o sangue
escorrer em suor e lágrimas. Aquele que se indigna, se conscientiza, enfrenta,
mobiliza, luta até que a vitória seja menor do que a glória da participação na
história. Aquele que não se pode dar o poder pelo medo da perda do seu
privilégio de classe: eu sou o inapoderável!
Impunível! Em meu nome todo o seu poder
emana, em meu nome sua glória é constituída, em meu nome sua propriedade se
torna reino, em nome seus cúmplices se tornam nobres. Em meu nome o Estado se
torna seu feudo.
Basta! Iluminai a Democracia! Abra-te
janela do mundo! Que agora em diante, todas as decisões sejam nossas e
transpareçam aos olhos de todos. Que sejamos poderáveis, e que nenhum seja
poderoso. Que possamos tornar o espaço político em propriedade coletiva.
Que o Estado vire as costas ao Mercado e
novamente ajoelhe-se perante a Sociedade pedindo perdão por ter criado um
monstro burocrático chamado de impunível. Que seja feita uma nova Assembléia
Constituinte. Que possa ser cantado o hino nacional sobre a cova do
autoritarismo da impunidade daquele que trai aos próximos.
Obs.: a presente obra é uma ficção, mera
representação imaginativa do autor, não há motivos para se preocupar, não está
em risco o conforto do sofá no assistir da novela ou do jogo de futebol.
Bruno Boaventura. Advogado.
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