Prólogo: anunciado em todos os cantos pelo mercado da informação que o Impunível negociara com o Persecutor um acordo para que se tenha um justo fim a sua história pública de mais de 20 anos. Impunível em cima de uma boleira de caminhão conclama a todos e todas escutarem por uma última vez o seu discurso, uma verdadeira catilinária:
- Eis o meu
retorno das cinzas. Pobre daquele que um dia pensou em me ver atrás das grades.
Não sou mais a quem se puni-la-ia. Agora, eu sou o delator, o colaborador da
nova era da Justiça: a da complacência negociada com o crime.
- Torna-me-ei-rei
o Impunível, o Senhor de sempre. A cada suor, a cada lágrima, a cada gota de
sangue derramado em vosso trabalho, lembre-se que fui sempre o Senhor do
destino de parte lhe é imposto. Estive e me mantenho lá, no topo: guardando todos
os tipos da miséria alheia.
- Não foi risível
a sua pretensão. Terás em mim não mais a redenção. Eis aqui, no presente o que foi
o futuro de um projeto velho de um novo mundo. É desta velha senhora reformada,
alcunhada de Modernidade, que estou a dizer, que tanto a fazem parecer como menina
uma moça cheia de boas ideias e intenções. Não me dei o pudor, beijei-a lascivamente
a boca e no pecado da luxúria, juntos, fizemos a democracia tal como uma
anomalia. Sem remorsos. Agora, sou um réu confesso.
- Quem deduro ou
deixo de dedurar é essa a minha barganha. Para tanto, bastou-me ter o senso de
não dedurar aquele para quem deduro. Nenhum dos delatados serão culpados de
crimes prescritos. Sofrerão é o processo de esmorecimento da lentidão do tempo
do julgamento. O valor a que devo devolver, nada mais é do que um símbolo. Para
mim, é mais um tapa na cara da sociedade, de quem sempre tive o prazer de
violentar.
- Me acusam de
roubar um 1 bilhão, mas concordam que devolva R$ 50 milhões. Você já se
perguntou? Aquele dinheiro para onde foi ? Esse dinheiro para onde irá? Talvez
seja para pagar a parcela autônoma de equivalência, afinal desta verba ninguém
fará manchete ou delação.
- A questão é legalização
do lobby travestido do vício da corrupção. Não mais será a propina, mas sim a
delação, torneei essa a palavra da medida do cálculo entre o que é público e o
que pode ser privado.
- Sei que não quer
mais se importar, mas veja, cidadão, o que está em jogo é o futuro de seu
filho: o senso de moral e do trabalho a que tanto esforçadamente lhe o ensina.
O que antes se poderia dar o nome de honestidade, transpassará o certo em
duvidoso e que o errado no que pode dar certo. Apreenda comigo, basta ser da
classe social que das outras lhes apodera o tempo e tudo lhe será perdoado.
- Ao saber muito,
ao ajudar a todos, ao participar de tudo. Me tornei muito grande para cair em
punição. A parte que me cabe neste sistema é indestrutível. Pois se dissesse
tudo o que vi, ruiriam todas as colunas que sustentam os palácios e os
privilégios. Cairiam em cima da mesa, a qual diretivamente fui o presidente ou
o primeiro secretário: a mesa que faz da representação do coletivo a de
negócios do privatismo.
- A prisão não é
feita para gente como a gente. É fétida, incivilizada. Não sou homem que ainda se
faz como um animal. Falo excelência, cumprimento com as duas mãos e me atrevo a
compartilhar da corrupção. Tenho, por isso e só por isso, um senso do dever cumprido
que me garante até a próxima geração, uma coisa que a todos nos convém: a
impunidade.
- A Justiça dos
homens nunca quis me alcançar, no máximo me fazer tropeçar, para que eu
precisasse de alguém para me ajudar a levantar. Deus em toda a sua bondade já
me perdoou ou não ? Nunca me importou.
- Só tenho a
dizer: homologai-me a delação.
Bruno
Boaventura – Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política
Social pela UFMT.
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