segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

A delação do Impunível.








Prólogo: anunciado em todos os cantos pelo mercado da informação que o Impunível negociara com o Persecutor um acordo para que se tenha um justo fim a sua história pública de mais de 20 anos. Impunível em cima de uma boleira de caminhão conclama a todos e todas escutarem por uma última vez o seu discurso, uma verdadeira catilinária:

- Eis o meu retorno das cinzas. Pobre daquele que um dia pensou em me ver atrás das grades. Não sou mais a quem se puni-la-ia. Agora, eu sou o delator, o colaborador da nova era da Justiça: a da complacência negociada com o crime. 

- Torna-me-ei-rei o Impunível, o Senhor de sempre. A cada suor, a cada lágrima, a cada gota de sangue derramado em vosso trabalho, lembre-se que fui sempre o Senhor do destino de parte lhe é imposto. Estive e me mantenho lá, no topo: guardando todos os tipos da miséria alheia. 

- Não foi risível a sua pretensão. Terás em mim não mais a redenção. Eis aqui, no presente o que foi o futuro de um projeto velho de um novo mundo. É desta velha senhora reformada, alcunhada de Modernidade, que estou a dizer, que tanto a fazem parecer como menina uma moça cheia de boas ideias e intenções. Não me dei o pudor, beijei-a lascivamente a boca e no pecado da luxúria, juntos, fizemos a democracia tal como uma anomalia. Sem remorsos. Agora, sou um réu confesso.  

- Quem deduro ou deixo de dedurar é essa a minha barganha. Para tanto, bastou-me ter o senso de não dedurar aquele para quem deduro. Nenhum dos delatados serão culpados de crimes prescritos. Sofrerão é o processo de esmorecimento da lentidão do tempo do julgamento. O valor a que devo devolver, nada mais é do que um símbolo. Para mim, é mais um tapa na cara da sociedade, de quem sempre tive o prazer de violentar.

- Me acusam de roubar um 1 bilhão, mas concordam que devolva R$ 50 milhões. Você já se perguntou? Aquele dinheiro para onde foi ? Esse dinheiro para onde irá? Talvez seja para pagar a parcela autônoma de equivalência, afinal desta verba ninguém fará manchete ou delação.

- A questão é legalização do lobby travestido do vício da corrupção. Não mais será a propina, mas sim a delação, torneei essa a palavra da medida do cálculo entre o que é público e o que pode ser privado.
- Sei que não quer mais se importar, mas veja, cidadão, o que está em jogo é o futuro de seu filho: o senso de moral e do trabalho a que tanto esforçadamente lhe o ensina. O que antes se poderia dar o nome de honestidade, transpassará o certo em duvidoso e que o errado no que pode dar certo. Apreenda comigo, basta ser da classe social que das outras lhes apodera o tempo e tudo lhe será perdoado. 

- Ao saber muito, ao ajudar a todos, ao participar de tudo. Me tornei muito grande para cair em punição. A parte que me cabe neste sistema é indestrutível. Pois se dissesse tudo o que vi, ruiriam todas as colunas que sustentam os palácios e os privilégios. Cairiam em cima da mesa, a qual diretivamente fui o presidente ou o primeiro secretário: a mesa que faz da representação do coletivo a de negócios do privatismo.

- A prisão não é feita para gente como a gente. É fétida, incivilizada. Não sou homem que ainda se faz como um animal. Falo excelência, cumprimento com as duas mãos e me atrevo a compartilhar da corrupção. Tenho, por isso e só por isso, um senso do dever cumprido que me garante até a próxima geração, uma coisa que a todos nos convém: a impunidade. 

- A Justiça dos homens nunca quis me alcançar, no máximo me fazer tropeçar, para que eu precisasse de alguém para me ajudar a levantar. Deus em toda a sua bondade já me perdoou ou não ? Nunca me importou.

- Só tenho a dizer: homologai-me a delação.

Bruno Boaventura – Advogado. Especialista em Direito Público. Mestre em Política Social pela UFMT.

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