quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Quem tem medo das professoras ?

 


Tive tantas professoras memoráveis. Lembro-me da Ana, do primário, que comigo teve um carinho especial a vida toda. A professora Rita de Química, que até mesmo lecionando uma matéria que não era muito afeito, me ensinou o que era companheirismo.

A professora Beth de Português, quem também se lembra dela com certeza a terá como exemplo de disciplina em todos os sentidos. A professora Jô de religião, com a sua canção de todos os dias sempre fez querer que estivesse com amor no coração. A professora Iracema de Português, que não me esqueço nunca, pois com ela aprendi que com nosso próprio pensar podemos sempre nos expressar.

Enfim, tantas outras, com quais tenho uma boa lição a dizer. Professora para mim é, sem dúvida, o respeito pelo outro que faz de tudo para nos bem ensinar.

A melhor de todas ! Foi a Professora Yvone, minha mãe. De tudo me ensinou um pouco. O mais importante posso exemplificar é o amar incondicionalmente. Só mãe pode ensinar isso. Tive também no magistério da luta incontáveis pessoas, em destaque a Professora Helena Bortolo, a Professora Verinha Araújo e também a Cida Cortez. As professorinhas aposentadas da rede pública de ensino, que sempre lhes atendi com o desejo do reconhecimento pelo trabalho em sala de mais de 50 anos alunos em jornada de 40 horas, como as Professoras Eremitas Moraes e Amélia Dina. Por último, não menos importante, todas as doutoras da UFMT que pude com elas me tornar Mestre, em especial a Professora Ivone Ferreira da Silva.

Professoras, onde estiverem, gostaria de lhes contar algo que representa o que vivi em sala de aula.

Certa vez, sentado eu na arquibancada de cimento que se forma nos degraus que vão da calçada até a descida para a quadra de futebol da praça Popular, tive uma conversa com uma Professora chamada Vida, que ali aparecia de vez em quando, mas sempre depois das partidas em que perdia. Menino ainda, segurando um saco com tubaína bem gelada dentro, sem saber ao certo quase nada e tudo querendo aprender mais um pouco. Indaguei então, a essa Professora o que seria a felicidade. Me disse ela, segurando um livro embaixo do braço, e com muita paciência:

- Não é outra coisa senão um bom momento. Um bom, mais ainda sim um passageiro momento em nos percebemos solidários com o outro. Não é ter algo, e também não é ser alguém. Enfim, não é o jogo ganho, mas a jogada que se pode compartilhar a lembrança. É essa é a tal da solidariedade, que se fizer constante para alguém a chamará de amor. E lembra-se o solidário nunca é solitário.

Evidente que não discordaria com ela, até poderia. Mas o tom da conversa era de me colocar como aluno. Era como se quisesse aproveitar o ensinamento para com ele experimentar, depois, o meu próprio conhecimento.  Perguntei: o que seria o mundo?

Ela rindo de mim, percebendo que não seriam perguntas fáceis que estava a propondo, me respondeu abrindo o livro perto da metade:

- O futebol, por exemplo, não é só as regras, um ou outro jogador, ou a bola. O mundo do futebol é: onde se joga, com quem se joga, como se joga, quem é o dono da bola e também como outros percebem como você joga. Tudo isso é o mundo, consegue entender ? Não é apenas o que está aparente a sua volta. O futebol nessa quadra da praça ? Aqui, todos jogam juntos, sejam pobres ou ricos. Quantos que aqui jogam são pessoas esforçadas e ainda sim são pobres ? É disso que trata o mundo: da realidade.

Achei aquilo tudo um tanto quanto difícil de entender. Mas havia uma última pergunta a ser feita: o que é a verdade ? Ela abriu o final do livro e me mostrou que todas as páginas estavam em branco e me disse serenamente:

- A verdade é um livro que escrevemos juntos. Conversando com você hoje, diria que o nosso seria intitulado de Diálogos entre um menino e a Professora Vida.

Esse texto é a minha solidariedade as professoras Lélica Elis Pereira de Lacerda e Graciele de Sinop e a professora da Escola Notre Dame de Lourdes que tiveram em dois episódios diferentes proferidas a elas um ataque brutal, injusto e autoritário quanto ao direito delas à liberdade de expressão, liberdade de cátedra e manifestação de pensamento. Para dizer o mínimo.

Pergunto: Quem tem medo das professoras? Os ignorantes. Quem tem medo do que elas falaram? Os ignorantes. São aqueles que não conseguem perceber a importância do diálogo, do conhecimento, da democracia e de tudo que possa ser fundamental para que tenhamos um projeto de civilidade não baseado no ódio como razão. 

São todos os que veem que o pensamento crítico é a liberdade para que tenhamos o desvelar de uma realidade que nos exige enquanto humanidade a mais radical mudança com o cuidado com o meio ambiente, já que o Pantanal desertifica, a Floresta Amazônia queima, o Véu de noiva seca e o Glisofato nos contamina.

São todas as que não percebem que a raça foi e ainda é o fundamento sócio-histórico de todas as nossas relações sociais. Em nessas se tem o negro, principalmente a mulher negra, tal como em uma escravidão ainda não abolida que marca a fogo dolorosamente o tecido da face da nossa sociedade excludente, machista e patriarcal.

Lhes digo, é um bom momento para sermos o que devemos ser: solidários, de forma ampla. Neste momento histórico é que a solidariedade necessita aparecer para que o mundo que conhecemos não possa acabar, mas sim mudar para não continuar sendo liderados com propósitos genocidas, ecocidas e austericidas.

A de termos esperanças, pois o medo das professoras nunca tive, assim como nunca me faltou vontade de aprender com elas: a busca da verdade pela ciência, a compreensão da espiritualidade do amor e a didática da ética democrática.

Bruno Boaventura.

Vice-Presidente do Sindicato dos Advogados e Estagiários de Mato Grosso.

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente comentário e posicionamento Bruno Boaventura. Fico me perguntando qual seria então melhor local para conversar sobre política se não a escola. Infelizmente estamos cercados de pessoas intolerantes e extremistas em relação ao pensar diferente de si. Minha solidariedade às professoras e dizer que a escola não deve calar-se

Unknown disse...

As botas e o chicote dos capitães do Mato desde sempre procuraram CALAR a voz da Educação, na pele das inúmeras professoras que sãoameacadas, punidas É até mortas, com armas ou por asfixia psicológica! É O BRASIL "mostrando a sua cara".

Luvanil disse...

Muito bom. O que seria de mim se eu estivesse ainda na sala de aula ? Como professora de Geografia, eu não poderia ficar calada. Mas o medo que possuem das professoras é que sabem que transmitimos o ensino com dedicação valorizando a vida e a população brasileira.